terça-feira, 11 de agosto de 2015

"FÉRIAS" - Meu Porto de Abrigo

29 de julho - Navio Escola Sagres
ao largo do meu Porto de Abrigo
        A minha vida é feita de viagens que a Mãe Natureza determinou como sendo cíclicas e anuais. Em cada setembro levanto velas  e deixo-as levar minha barcaça para mais uma missão de 11 meses. Todos nós temos a nossa barcaça... o nosso "pedacinho de mundo"... a nossa missão. Contudo, a missão só faz sentido pela existência de todas as barcaças que me rodeiam. Se o Mar fosse só meu, a solidão seria um real Adamastor que me devoraria num ápice. O sucesso de cada missão reside na diferença de cada barcaça, no respeito pelas diferenças e no reconhecimento da importância e na interdependência das mesmas, para um todo... para um Mundo Global melhor. Cada um de nós deve preparar minuciosamente cada viagem, dando o melhor de si, nunca tendo por base a competição, mas tendo consciência que o melhor de si é o melhor de todos. Dependemos todos uns dos outros. Se eu falhar, se eu não fizer a minha parte, com toda a certeza que porei em causa o trabalho de outros... porei em causa o bem comum... É impensável eu colocar a hipótese de deixar que alguém perca energias com aquilo que é a minha missão, pois na vida, por muitas vezes, temos de sair da nossa barcaça e pegar na roda de leme de outras embarcações. A imprevisibilidade da vida muitas vezes obriga-nos a ajudar quem está em dificuldades na sua missão, mas é inconcebível alguém fazer o nosso trabalho, porque nos demitimos do mesmo ou não nos preparamos convenientemente para a nossa viagem.
       A experiência da vida dá-nos ferramentas para antever problemas e para os solucionar. Por outro lado, os janeiros retiram-nos a energia da juventude, mas o equilíbrio da Mãe Natureza compensa a sua falta (de energia), com as ferramentas que vamos adquirindo. Navegar em mar alto é sempre um grande desafio... Aproar a embarcação às ondas de uma tempestade de noroeste, dá-me um prazer do caraças! É a adrenalina que é descarregada nas veias... Acreditando que a minha viagem contribui para o sucesso de alguém, nada nem ninguém me demove da mesma... Sou muito teimoso (característica dos Alferes - alcunha da família do meu avô paterno)... Nunca deixo de lutar por aquilo que acredito... Contudo, quanto maior é a minha determinação, maiores são as minhas dúvidas... Cada viagem é um risco, pois procuro sempre trilhar mares diferentes. No recolher de cada dia, ponho em causa as minhas capacidades, as minhas habilidades, o meu rumo. Ouço o sentir dos meus marinheiros... Deixo me levar pela intuição, pelo meu anjo da guarda... pelo meu São Cristóvão. Agradeço a todos pelas decisões corretas que me ajudam a tomar. O sucesso de cada decisão une o grupo... faz cada membro da tripulação ver o trabalho compensado e o saborear em grupo dos seus frutos é algo de divino!!! Transcende a condição humana!!!
       Mais uma vez, depois de uma grande viagem pelos mares da educação, no final de julho recolhi ao meu "Porto de Abrigo". São as minhas "Férias". Sim, Férias... não são mais que um "porto de abrigo" onde temos tempo para recuperar física, social, mental e emocionalmente daquela viagem por mar alto. Nas duas primeiras semanas procuro esquecer, fazer um "delete" ou um "reset" da viagem anterior. São as semanas do "nada"... Procuro o silêncio do mundo submarino... Procuro o aconchego da Família e das pessoas que mais amo e que a minha viagem afasta fisicamente... Ligo os cabos ao carregador de baterias...
7 de agosto - Despertar depois de remover
a Vesícula Biliar por laparoscopia.
        Passadas as duas primeiras semanas começo a preocupar-me (Pré-Ocupar) com a viagem do próximo ano letivo. Começo a verificar o estado do velame, do cavername, dos instrumentos de navegação... Preciso cuidar da parte física. Este ano tinha um pequeno rombo do casco. Esperei pelo meu "Porto de Abrigo" para o reparar. Parar a meio da viagem seria impensável, pois muitos dependiam de mim. "Resiliência" foi algo que meu pai me ensinou. Tive a melhor equipa de cirurgia do mundo que me ajudou. Mais uma semana e estarei fisicamente apto.
29 de julho - Formação do Capelo do Pico
      Começo a olhar os astros para relembrar as suas indicações. Começo a ouvir a brisa que vem de sul e desce a Montanha do Pico... Ouço os conselhos de Sua Majestade, o Pico... À noite ouço os cagarros a dizer que partirão comigo e me acompanharão na viagem, regressando no próximo ano. Viajo pelas minhas origens, pelos caminhos trilhados pelos meus antepassados. Procuro inspiração e a energia que os faziam revirar lava e procurar pequenas nesgas de terra para cultivar o sustento dos seus filhos. Cuido da minha Alma...

        A saudade e dor da partida por deixar para trás muitas das pessoas que mais amamos é das que mais
3 de agosto - Comemoração de 19 anos de Casamento
magoam. Compreendo-a pela imperfeição da vida. A perfeição não existe e nada é fácil. Compenso essa dor pela presença dos meus pais e dos meus familiares nas minhas ações. Procuro ser sempre fiel aos seus ensinamentos e ao seu amor. Considero-me um sortudo, pois tenho a sorte do amor da minha vida me acompanhar sempre em cada viagem. Tenho a sorte das nossas queridas filhas nos darem as mãos e partimos sempre juntos e abraçados, sem nunca nos largarmos. 
        A vida ensinou-me que não devemos ter medo de enfrentar cada missão. Não devemos ter medo do Mar, mas sim respeitá-lo. Não devemos ter medo da Mãe Natureza, mas sim respeitá-la. Não devemos de ter medo de ninguém mas sim respeitá-lo. Contudo, com o passar dos anos, existe um medo que me começa a perseguir. Talvez pela perda de algumas faculdades físicas com o passar dos anos, temo falhar nas minhas missões e condicionar a vida das pessoas que mais amo. Tenho medo de não estar presente ou falhar por algum motivo.
      Setembro aproxima-se. Estarei preparado no final de Agosto. Peço a Deus que me ajude em mais uma viagem. Não posso falhar pelas minhas filhas, pela minha esposa, pelos meus familiares e antepassados e pelos meus queridos alunos. Um boa viagem para todos!