sábado, 26 de maio de 2012

"Chapéus Há Muitos"

        "Chapéus Há Muitos", mas como os chapéus do Pico, da Montanha do Pico, não conheço. A Montanha, ao longo dos anos, tornou-se mestre nas previsões meteorológicas, dizendo às suas populações o tempo que viria nos dias seguintes. Os seus chapéus ou "capelos", tudo prevêem! Existem os chapéus do bom tempo, existem os "capelos" do mau tempo. Por vezes a montanha parece longe, por vezes parece perto. Por vezes, colabora na formação da Nuvem da Praínha, um prenúncio de mau tempo, uma nuvem gigantesca que se estende de Oeste para Leste, desde a Madalena até à Praínha do Norte. Riscos e rabiscos de nuvens nos fazem antever vento... mil e uma formas de Nuvens que a Montanha ajuda a moldar para  nos fazer prever o tempo.
        A vida não quis que convivesse diariamente com este Céu, enfeitado com belas nuvens, moldadas pela Montanha do Pico. Sempre que mudei de sítio, procurei conhecer os outros céus. De início tudo se torna difícil, porque não tenho Sua Majestade (O Pico) para me moldar o Céu. Olhar o Céu sem o compreender, nem prever o futuro (em termos meteorológicos e não só) é sempre difícil para um Picaroto. Mas, para este ser, seja lá qual for o sítio onde estiver, é sempre possível em cada nuvem ver uma réstia de esperança, e acreditar que aquela nuvem foi moldada no Pico e arrastada para outras longitudes! Afinal, vivemos todos debaixo do mesmo Céu!









terça-feira, 22 de maio de 2012

domingo, 20 de maio de 2012

O Verdadeiro Espírito...

        Num certo dia do Séc. IV d.c., após uma longa jornada de trabalho, Santo Agostinho adormecera e tivera um sonho que o ajudara a esclarecer todas as suas dúvidas, sobre o Mistério da Santíssima Trindade. Era um grande pensador e procurava incessantemente explicar a existência de Deus (nas suas 3 pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo), através da razão humana! Sonhou que caminhava sobre uma praia deserta, a admirar o lindo mar e o belo céu onde passeavam as gaivotas. Ao longe avistou um menino que, com um balde de madeira, ia até a água do mar, enchia o balde e voltava, onde despejava a água num pequeno buraco na areia. Ao se aproximar do menino perguntou-lhe: - "O que estás a fazer?".  O menino, com toda a serenidade de um olhar puro, respondeu-lhe: - "Vou pôr toda a água do mar neste buraco que fiz na areia!". Santo Agostinho riu-se e disse-lhe: - "Oh rapaz... isso é impossível! Já viste a quantidade de água que existe no oceano? Achas que a consegues meter toda nesse buraquinho? Para além disso, por mais água que coloques, ela sumir-se-á entre os grãos de areia!". O menino acabou de despejar mais um balde de água, voltou a olhar para Santo Agostinho e disse-lhe: "Senhor, em verdade vos digo: é mais fácil colocar toda água do oceano nesse pequeno buraco do que a inteligência humana compreender os mistérios de Deus!" 
        Esta era uma história que meu pai me contava, na minha infância... Com uma educação católica, e tal como Santo Agostinho (tirando a parte do Santo, claro!), sempre procurei encontrar explicações para a existência de Deus. Lendo a Bíblia, nada encontrei que fosse contra as descobertas científicas, desde a ordem da criação do universo, do mundo e das suas criaturas, ao pecado do ser humano lá no Paraíso... Tudo é escrito na forma de um poema e tudo bate certo. Cada palavra é um ensinamento que nos abre o coração. Não compreendo como há senhores da Igreja que lêem a bíblia à letra???! Relativamente à omnipresença de Deus e da Santíssima Trindade, aprendi que é algo que a razão humana não consegue explicar! Só o coração o consegue, através da fé... Não é mais que acreditar num sonho, nunca desistir e buscá-lo, mesmo que a razão nos diga que nunca lá chegaremos! Fisicamente não...
        Na Ilha do Pico, Açores, todos os anos, no 7º Domingo depois da Páscoa, "mais um baldinho de madeira, aquele menino traz com água do mar, para encher aquele buraquinho"! Aquele menino está representado num povo que, com a sua fé, nunca deixou de acreditar na Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. São as festas do Espírito Santo! Ninguém O vê, ninguém O consegue explicar... mas todos O sentem, todos O partilham!
        Na casa do mordomo fazem-se os últimos acertos, antes de chegarem os foliões. Naquele altarinho, enfeitado com muito amor, descansa a Coroa que representa o Divino e ao lado o estandarte, com a pomba branca (Dia de Pentecostes, desceu sobre os apóstolos representando o Espírito Santo) na ponta do mastro. As pessoas começam a chegar... todos estão convidados! Um foguete sobe no ar a avisar que está prestes a sair a procissão. As crianças juntam os paus para formar os quadros, que levarão o mordomo e a sua família até à igreja. A igreja enche-se de flores, cor e vida. Os cânticos comparam-se aos cânticos dos passarinhos, numa linda manhã de primavera! Chegou a altura da coroação! Os mordomos recebem, daquela coroa de prata, a benção do Espírito Santo. Interiormente, agradecem tudo de bom que a vida lhes deu e querem muito partilhar essas coisas boas com toda uma comunidade! É uma partilha... por mais pobre que seja o mordomo, a verdadeira riqueza está no seu espírito de dádiva e de entrega aos outros, tão pouco comparado com o que recebeu de cada um dos membros daquela comunidade e do que recebeu diariamente do Espírito Santo.
        Termina a missa... os foliões no adro tocam aqueles bombos e cantam! Preparam-se os quadros  e a procissão para regressar a casa do mordomo. Lá em casa, uma equipa de amigos e familiares, trabalham desde as 3 da manhã, onde caldeirões enormes cozinham a carne, enquanto outra é assada. Fatia-se o pão e barra-se com manteiga. Colocam-se numa celha de madeira, as fatias empilhadas, com folhinhas de hortelã pelo meio. Regam-se com o molho da carne... São as sopas do Espírito Santo. O mordomo há mais de uma semana que prepara esta festa. Desde as tendas cobertas de faia, incenso ou folha de roca, que darão sombra às pessoas enquanto comem, passando pela massa sovada, pelo arroz doce e pelas "vésperas" ou "rosquilhas"  (dependendo da freguesia), toda esta dádiva é preparada com muito trabalho e amor.
                 Chegam todos... São às centenas... Tudo parece perfeito... Famílias juntas almoçam... Agradecem aquela partilha... o Espírito Santo está presente... ninguém o vê... todos o sentem... Manifesta-se através do Verdadeiro Espírito... O Espírito Humano... e esse... Todos o podem ver, todos o podem sentir!
        Pensará o leitor que a Festa está prestes a terminar? Pois, diria... a festa agora começou! Acabam de almoçar... todos ajudam a lavar os pratos, travessas, copos, terrinas e talheres, pertencente ao Império comunitário do Espírito Santo. Preparam-se novamente os quadros e a procissão para levar o Divino Espírito Santo até à Sua Morada "Capelinha do Espírito Santo" (Império). À medida que a procissão avança, e como por milagre, de cada casa sai um "açafate" de vime com uma conta de "Vésperas" ou "Rosquilhas" (pode variar entre as 25 e as 36, de terra para terra), à cabeça de um dos membros da família. A procissão alonga-se num espetáculo sem igual. Cada "açafate" é enfeitado com as melhores flores de cada jardim... Os foliões cantam: "Oh Divino Espírito Santo... Cheira a cravo, cheira a rosa... cheira à flor da laranjeira..."! Chegados ao adro, em frente ao "Império do Espírito Santo", os "açafates" são disposto em cima de bancos corridos! São milhares de "bolos"-" vésperas" ou rosquilhas! O padre benze cada um dos "açafates" recheado e enfeitado por cada uma das famílias. Foram muitas noites de muito trabalho, a "sovar" massa, para naquele dia partilhar com todos os que ali passassem. Pobres, ricos ... todos! Não há ninguém que passe pela festa que não leve um "bolo"... À volta de toda a ilha, todas as freguesias festejam o Espírito Santo. Santa Luzia, uma das freguesias que partilha as "vésperas", celebra o domingo do Espírito Santo e no domingo seguinte repete a festa em honra da Santíssima Trindade. Há freguesias que festejam a 2ª Feira e outras a 3ª. Na minha família era tradição dar a volta à ilha nestes dias. Enfeitávamos a Toyota Dyna com flores e lá íamos em família. Era espetacular ver os diferentes impérios. Alguns guardo-os na minha memória, desde Santa Cruz das Ribeiras, Terras,  São João, Valeverde, Madalena, entre tantos outros!
        Tenho muitas saudades deste tempo e de passar o Espírito Santo no Pico. Enfim a vida é sempre bela, mas nunca perfeita! Foram estes momentos que hoje me fazem ver a vida como bela! Foram estes momentos que me ensinaram a acreditar na vida como uma dádiva e como uma partilha! Foram estes momentos que me fazem acreditar no Espírito Santo e deixar de me preocupar em compreender o Seu mistério! Foram estes momentos que me ensinaram a compreender e a valorizar, cada vez mais, o Verdadeiro Espírito: O Espírito Humano!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Os Filhos Tartaruga

        A Mãe Natureza ama todos os seus seres vivos, todos os seus filhos, por igual. Sabe que existe uma lei, onde o mais forte vence e sobrevive, para que cada espécie possa, geração após geração, apresentar uma evolução que consiga resistir às constantes alterações do meio ambiente e aos perigos (o ser humano foi o único que evolui perdendo pujança física, concentrando-se a sua potência na "racionalidade"). Esse amor é expresso à nascença de cada animal. Muitos animais ovíparos, como é o caso da tartaruga marinha, nascem sozinhos com centenas de outros irmãos, eclodindo de uma ninhada deixada na areia pela sua progenitora, cerca de três meses antes. Por não terem a proteção dos seus progenitores, a Mãe Natureza, permitiu que nascessem às centenas, sabendo que a probabilidade de sobrevivência para estas novas criaturas, indefesas e sós, é muito reduzida. Já os animais vivíparos, como os mamíferos e nomeadamente o Ser Humano, por norma, dá à luz apenas um bebé. A Mãe Natureza concedeu-nos o dom de termos pais, que nos protegem nos primeiros 9 meses de gestação e durante uma infância, adolescência e juventude, com todo o amor necessário. Infelizmente, e ao contrário de todos os outros mamíferos, o ser humano por vezes esquece esta dádiva que lhe foi concedida pela Mãe Natureza. Muitos pais abandonam os seus filhos à nascença. Outros apesar de presentes, estão tão ausentes como os que abandonaram os filhos. Outros dão todos os bens materiais e fazem todas as vontades aos filhos, sem contudo lhes dar amor (compreenda-se amor como o equilíbrio entre o "não" - limites - e o carinho do aconchego de um abraço)! Outros vivem imbuídos por um egoísmo desenfreado que nada dão aos seus filhos... Todos estes são os "filhos tartaruga"... Nascem numa praia e têm de fazer uma longa viagem, a sós, estando as suas vidas entregues apenas à sorte e ao azar, ultrapassando areais e depois vencendo ou deixando se levar, pelas inúmeras correntes da vida.
        Todo o Ser Humano tem coração. Todo e Ser Humano nasce despido de coisas más! Nasce puro... O mesmo acontece com "os filhos tartaruga". Contudo, entregues a si próprios, vão desenvolvendo capas e mais capas (carapaças) que lhes escondem o seu coração, vão colocando máscaras e mais máscaras que lhes escondem a verdadeira identidade e a essência humana. Na realidade, todos nós desenvolvemos essas capas e colocamos máscaras, quando nos preocupamos demasiado com a nossa imagem e com o que os outros pensam de nós (só começamos a despir-nos dessas capas, à medida que os anos passam na 2ª metade da vida - caminhada após os "entas"). Criamos uma imagem, que muitas vezes não corresponde à dimensão do amor que se guarda no nosso coração. São os nossos medos... A diferença é que: quem recebeu o amor dos pais, começou a desenvolver essas capas e essas máscaras muito mais tarde. A verdadeira missão de uma família para uma criança ou jovem, é adiar esse desenvolvimento (até deixar a casa dos pais) e permitir um crescimento onde o amor não fique enclausurado por essas capas, mas se manifeste no seu dia a dia! Se uma criança tiver a sorte de chegar à idade adulta sem capas, tem muito maior probabilidade de amar o próximo sem qualquer reserva, sem qualquer capa, sem qualquer máscara!
        Tenho trabalhado, desde 2001 com turmas de percurso curricular alternativo, alunos cujo sistema educativo e/ou a sociedade marginalizou, muitos deles por serem "filhos tartaruga". Numa primeira fase, aqueles alunos que são considerados como delinquentes, não são mais do que seres humanos extraordinários, que se foram protegendo ao longo da vida, com capas e máscaras. Precisam muito passar por um processo de Amor, por um lado recebendo o abraço que nunca haviam recebido, por outro vivendo um mundo de limites e sabendo que se ultrapassar esses limites poderão incorrer em sanções. É um processo longo de quebra de capas e de máscaras, guiado por projetos que lhes devolvam a autoconfiança e lhes façam acreditar que existem outros caminhos... Cada jovem torna-se um "bonsai"... Temos de o deixar crescer fazendo escolhas, mas por vezes temos de aparar muitos rebentos, que a nossa experiência de vida nos ensinou a reconhecer como infrutíferos. Quer queiramos quer não, tornamo-nos num modelo e acabamos por modelar com amor, o crescimento daquele jovem. O estatuto do aluno pouco ou nada (n)os ajuda nessa modelação. Trabalho comunitário, suspensão, transferência de escola... uma pescadinha de rabo na boca que apenas os faz desenvolver mais capas e carapaças... Mais vale um bom puxão de orelhas na altura certa... Muitas vezes temos de recorrer às entidades exteriores à Escola. Estas são parceiros essenciais da Escola, quando os responsáveis pelas mesmas, acreditam numa transformação ao encontro do afeto e do amor. Tive muita sorte de ter a ajuda destes parceiros: Escola Segura; Tribunal de Menores; Estabelecimento Prisional; CPCJ, todos foram essenciais para remover capas e máscaras a estes jovens. Uma vez removidas, e estando o coração a descoberto... uma coisa vos garanto... "os filhos tartaruga" são como se fossem nossos filhos, partilhando um amor imenso e ficando para sempre as suas inscrições algures nas aurículas ou nos ventrículos de todos os que os acompanharam. Um grande abraço a todos e um até já!

terça-feira, 8 de maio de 2012

9 Anos de Desaprendizagem

        Uma sala do Pré-Escolar algures num determinado ponto do País. O primeiro dia de um percurso escolar que se espera ser uma construção de um conhecimento em espiral e da formação de um ser humano, enquanto cidadão ativo, transformador dos pedacinhos de mundo que lhe pertencerão. Um excelente ano de sociabilização, uma oportunidade única para se iniciar no reconhecimento da importância da diversidade para a construção de uma identidade e da unidade de um grupo, tendo sempre por base o respeito pelo próximo e os mais nobres valores da humanidade. Para as minhas filhas foram anos fulcrais na sua formação enquanto pessoas (a todos os níveis). Uma sala com identidade, repleta de desenhos, cor, vida e de vivências de cada um daqueles pequenos olhos com um olhar imenso...
       Entramos no primeiro Ciclo do Ensino Básico... O início de uma espécie de formalização do ensino, onde a maior parte das salas apresentam uma disposição tradicional, como se de uma tabela Exel se tratasse. Felizmente, nesta fase, nesta versão de Exel, o preenchimento das células ainda é nominal e não numérico, pois são muitas as horas que aquele professor passa com aquelas crianças, tendo a oportunidade de estabelecer uma relação quase de um familiar, uma relação de grande afeto e de amor. Aprender a ler e a escrever, é para muitos destes alunos (das poucas coisas que vão aprender na Escola e a não esquecer). Aprender que também existem "letras"(algarismos), que combinadas podem representar números e que nos ajudam a conhecer o nosso mundo real, também poderá ser algo, quase mágico nestas tenras idades. O problema é mesmo quando começam a interpretar o Mundo que os rodeia, já conhecendo esses números. São 10 horas da noite, o pai não chega para lhe dar o beijo de boa noite porque tem 2 empregos, para trazer 600 euros para casa, para sustentar a família de 4 irmãos, pagar uma renda de 350 euros e uma conta de eletricidade que chega aos 120 euros mensais. "Tanto número, tantas contas que o meu pai faz... e, sabem?... ele diz que ainda é um sortudo por ter emprego". Por outro lado existem aqueles que às 10 da noite não têm o pai para o beijo, porque foram deixados "em 1" ama que leva 100 euros por noite, para que o pai possa ir curtir a noite no seu Porshe Cayene de 100 000 euros. Para compensar  a sua ausência,  ofereceu-lhes na semana passada uma PSP de 140 €, cujo modelo não lhes agradou, tendo comprado no dia seguinte o novo Modelo Vita por €200... Uma sociedade com cada vez mais extremos (Ricos vs Pobres - se falarmos apenas de poder económico, pois não vejo nenhuma vantagem no 2º Exemplo para ser potencialmente um rico ser humano, comparando com o 1º). Uma sociedade comandada pelo poder económico, transformou-se numa sociedade de desequilíbrios, que se refletem no crescimento e formação de cada criança.
        Mesmo com tantos desequilíbrios provocados por nós adultos, a fantasia e a inocência em que vive uma criança do primeiro Ciclo, permite-lhe aprender muito neste primeiros anos de escolaridade, apesar do Sistema esquecer que é Criança e a encarcerar num recinto desde as 8h30 às 17h30, onde a obsessão da enormidade dos currículos escolares leva-nos a debitar Língua Portuguesa e Matemática, a um ritmo supersónico, para conseguirem ter êxito numa prova de aferição estéril a realizar no 4º Ano!!! Depois surge uma coisa a quem alguém chamou de Escola a Tempo Inteiro (Prisão a Tempo Inteiro enquanto os pais não chegam do trabalho - os que ainda o têm) com a criação de atividades (ditas) de enriquecimento curricular... De enriquecimento, porque muito pobre é o currículo (é a única leitura que faço)! Para quê enriquecer algo que já é rico? Muito pobre... Como pode uma criança aprender Matemática se não conhece a harmonia de uma melodia musical? Como pode uma criança conhecer o mundo real se não o consegue pintar da cor que o sonhou? Como pode uma criança aprender a ler e a escrever criativamente e com sentimentos, se não consegue representar o bailado de uma rola que se enamorou pela vida? Como pode....?????
        2º Ciclo do Ensino Básico... Onde a verdadeira formalização do ensino começa. Onde a versão Exel se torna apenas numérica, com fórmulas e mais fórmulas matemáticas jamais reconhecidas pelos alunos e por nós adultos, ficando perdida a identidade de cada uma das células. Se as folhas Exel têm 3000 células ou 9000 (como num caso de uma proposta de Mega Agrupamento em Mafra), para o Ministério nada ou pouco interessa... Apenas interessa a fórmula final, cujo somatório é um desinvestimento no futuro, com perdas e custos astronómicos para a nossa sociedade. Saindo da idade da inocência e da fantasia, os nossos queridos alunos apercebem-se de todas as engrenagens de um Sistema que nada tem a ver com o Mundo Real dos adultos comuns. Lá fora, a vida é muito difícil, com muito suor e trabalho (não podemos dizer o mesmo para grande parte dos donos do mundo)! Na escola o sucesso está ao alcance de todos, tendo que se esforçar e trabalhar um pouco numa das metades do ano letivo. Quando falo de sucesso falo das notas (avaliações finais), porque ao nível das aprendizagens, com a enormidade dos currículos e da informação debitada (sem qualquer sentido nas eras de hoje), os alunos pouco ou nada aprendem. Aprender fazendo, construindo, manipulando, transformando "os pedacinhos de mundo que estão à sua guarda" é a única forma de aprender. "O que eu ouço, esqueço. O que eu vejo, lembro. O que eu faço, aprendo." (Uma frase fantástica de Confúcio, filósofo chinês que viveu entre os anos 551 e 479 a.C.). Estou farto de teorias e mais teorias, estudos e mais estudos, reformas e mais reformas, tretas e mais tretas... Já há muitos anos que tudo está provado.... Depois vem a questão do "saber ser"! Quem não "sabe ser" terá muita dificuldade em "conseguir fazer"! Também aqui tudo está mais que provado! Pavlov tinha razão (pois acima e antes de tudo, somos animais)! Os behaviouristas tinham razão! Os cognitivistas tinham razão! O Freud teve razão! O Gardner teve razão com a sua proposta de inteligências múltiplas! Todos foram importantes para nos conhecermos e percebermos o "saber ser"! Mas, caros leitores e leitoras, acima de tudo há um património deixado pelos nossos egrégios avós, um património de valores e de regras que deveriam sustentar uma sociedade democrática, livre!!! Quem se sente livre com o modelo de sociedade e de Mundo que os "poderosos" criaram?
         Farto-me de pedir desculpa, porque escrevo demais e parece que nunca consigo dizer tudo! Íamos no 2º Ciclo... Como professor deste Ciclo do Ensino Básico, sinto, que apesar de tudo fazer para que os meus alunos levem consigo uma Matemática que lhes seja útil para a vida, um currículo infernal e brutal, para ser lecionado em salas de aula estéreis, não me permite ir mais além. O Sistema impõe que se cumpra o que não é possível cumprir (com aprendizagens significativas - saber fazer), que se cumpra um emaranhado de conceitos abstratos, numa faixa etária onde a prática e as destrezas física e emocional têm muita necessidade de explodir! Preparo-os para os exames de 6º Ano... O que constato? Sou um péssimo professor... Só pode...! Os resultados pioraram em relação aos da prova de aferição do 4º ano! Os alunos desaprenderam!!! É uma frustração imensa!!! Quem já a sentiu??? Quem nunca a sentiu, ou quem se senta num ministério sem o sentir... faça um favor... Venha lecionar os nossos currículos, aos nossos alunos dos 5º, 6º, 7º, 8º ou 9º anos! Depois podemos nos sentar aí numa esplanada, a beber um cafezinho, a falar de Educação!
       Bem, depois vem o 3º Ciclo do Ensino Básico (tudo menos básico!). Poderei chamar básico a um currículo com 14 ou mais áreas curriculares? Poderei chamar básico a um programa que obrigue os alunos a saber todos os países da Europa, as suas capitais, as suas fronteiras, os seus montes, os seus lagos e sei lá mais o quê? No tempo do Estado Novo ficávamos apenas pelo nosso País! Numa sociedade de informação... fará sentido?... E depois têm ainda as outras 13 áreas curriculares... A acrescentar a tudo isto vem a puberdade e a idade da rebeldia, que se não for controlada (tive a sorte de ter uns pais fantásticos que o souberam fazer, graças a Deus ou a outra coisa qualquer - para quem não acredita) se torna no descalabro do Sistema Educativo a que assistimos. Um Sistema onde tudo é permitido e tudo é fácil, com a cumplicidade de muitos pais que acabarão por sofrer as consequências (mais cedo ou mais tarde), bem como esses jovens que muito me preocupam!
        Exames do 9º Ano... Até temos medo de olhar para o percurso escolar dos alunos e comparar os 3 momentos de avaliação externa destes 3 ciclos do ensino básico! Conclusão... os alunos acabaram de concluir (ou não) 9 anos de "desaprendizagem"! De quem é a culpa... claro está... única e exclusivamente dos professores que tudo fazem para que um bocadinho de Escola fique em cada aluno. Lá conseguem encontrar 2 em cada trinta alunos, com os valores dos nossos avós, e cujos familiares lhes fazem (ainda crer) que tudo na vida se consegue com muito trabalho, suor e, sobretudo por respeito ao próximo! Estes alunos e estes pais é que ainda me fazem acreditar que, mesmo com a massificação do ensino, se houver algum Ser Humano que conduza os destinos do país, colocando as pessoas em primeiro plano e tendo a coragem de romper com parte do Sistema (apesar de termos de sofrer neste hipotético processo de transformação), seria uma árvore que daria lindos frutos a longo prazo! Existe por aí algum Hércules (não Deus, mas Ser Humano) da política (que não venha da Grécia, por favor) com coragem de nos colocar no rumo certo! Se houver, terá um Nobre Povo que o acompanhará!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O Irmão do Meu Pai Natal

        No Natal passado, à semelhança de todas as épocas natalícias, o meu Pai Natal invadiu-me o coração, despertando cada pedacinho de amor escondido no seu interior (ver http://serounaoserverdade.blogspot.pt/2011/12/o-meu-pai-natal.html). Não é apenas no Natal, sempre que presente, o meu Pai Natal irradia amor, paz e todos os valores mais nobres da Humanidade. A presença é eterna, embora fisicamente não o seja. Essa presença vive nas minhas memórias e numa memória genética que a Mãe Natureza se encarrega de preservar, geração após geração (ver http://serounaoserverdade.blogspot.pt/2011/12/memoria-genetica-apenas-existe-morte.html).
        O meu Pai Natal é oriundo de uma família humilde. Cada pessoa que teve a sorte de partilhar pedacinhos de mundo e de tempo com o meu Pai Natal ou qualquer um dos seus irmãos, com toda a certeza que hoje, dentro do seu coração, existe um tesouro constituído por muitos fragmentos de Amor, que ora podem se juntar e se manifestar, ora estão por lá escondidos. Alguém ainda não o encontrou? Se não conhecem o paradeiro desse tesouro, não encarem a ausência física como uma perda.... é apenas uma transformação... dolorosa, é certo, mas a vida continua na forma de alma alojada na nossa memória... É só isso!!! Abram a porta  da memória! Abram a porta do coração! Deixem cada um desses “pais natal” entrar! Já dizia Lavoisier: "Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. É apenas uma transformação e nunca uma perda. Algo que vivia fisicamente fora de nós e um dia passou a viver fisicamente em cada um dos nossos códigos genéticos, manifestando-se a sua alma através de memórias.
       Conheci fisicamente quase todos os irmãos do meu Pai Natal:  Tia Maria; o Tio João; o Tio José; o Tio Francisco; a Tia Laura (a única irmã fisicamente presente). Não tive a oportunidade de conhecer a Tia Rosa, o Tio Urbano e o Tio Manuel. Eram a família dos Urbanos.
        Cada momento que tive a sorte de partilhar fisicamente com alguns dos Urbanos, foi como que mais uma pedra preciosa que se guardou nesse tesouro que se esconde em meu coração e que é aberto quando sou invadido pela alma de quem lá a colocou.
        Hoje recordo um desses meus tios avós (maternos). Um Ser Humano extraordinário, desde o primeiro momento que o vi, em cima do antigo Cais da Madalena, no seu Ford Cortina verde, após (eu) ter feito uma travessia do Canal a bordo da “Calheta”, da "Velas" ou da "Espalamaca" (não me recordo bem qual das lanchas foi), aquando de mais uma visita de Verão ao Pico, vindo dos Estados Unidos, no avião que aterrou na Ilha vizinha (Ilha do Faial)… …até aquele dia que o fui visitar ao Centro de Saúde de São Roque do Pico, já fisicamente debilitado. Desatou a chorar mal me viu e apertou-me a mão. Fiz um esforço enorme para não chorar à sua frente, talvez com a intenção de mostrar que tudo estava bem e de não o fazer ficar mais triste. Tive de sair um pouco para o corredor por não conter as glândulas lacrimais… Suspirei, entrei e abracei-o, naquela que foi a última pedra preciosa que depositou em meu coração. Guardo-as a todas com muito orgulho. Tantas histórias teria para contar de meu Tio Francisco! Quem não conheceu o Francisco do Urbano, sempre presente naquela adega junto ao Poço dos Arcos, sempre pronto para brindar com a sua angelica ou um copo do seu vinho a todos os que passavam? Sempre com um grande sorriso e muito brincalhão. Sempre com expressões tão características como “Uía Caim”!  Adorava pregar partidinhas. Um dia, certo senhor que muito gostava de se sentar na mesa alheia e comer e beber sem complexos, lá se sentou à sua mesa, logo à entrada da porta da loja da adega. Prontamente colocou, sobre a mesa, um prato com uma espécie de biscoitos amarelos e um jarro de vinho. Biscoito após biscoito, copo após copo, lá foram todos os biscoitos… Cada biscoito que comia, o visiante dizia: “Francisco, estes biscoitos são algo difíceis de mastigar, mas com o vinho escorregam bem”! O anfitrião era conhecido pelos seus belos petiscos bem condimentados. Adorava servir bem…. Naquele dia era uma partidinha… aqueles biscoitos não eram mais do que bocados de esferovite que vinham a proteger algo dentro de uma embalagem qualquer!!!
        Era um Homem que adorava o Mar e a Pesca. Apanhar um sargo para um caldo era provavelmente um dos maiores prazeres que tinha. 1981: Lembro-me de estarem a construir a escadaria de cimento (2ª fase) de acesso à piscina natural (a nossa Maré). Com uma cana de bambu, de cima da rocha, registei o meu nome num dos degraus de cimento fresco. Cada um dos trabalhadores comunitários, deixou o seu registo. Alguém escrevia: “Francisco Urbano, Cabo Mar dos Arcos”! Era na realidade o Cabo Mar dos Arcos, sempre presente, sempre no coração daquela pequena localidade de veraneio, à beira do Atlântico. O meu primeiro caniço de carreto foi-me oferecido por ele. Ainda me lembro do primeiro peixe que pesquei com ele, mesmo ali por Detrás da Baixa. Era apenas um pequeno peixe-rei, mas foi uma emoção enorme, ver aquela pequena bóia de cedro (feita pelo meu pai), mergulhar na água e o corpo se encher de adrenalina ao enrolar o carreto e apanhar aquele peixe nesta minha nova arte de pesca. Recordo-me um dia, quando descia para o pesqueiro Detrás da Baixa, o caniço escorregar-me da mão e ser levado por uma onda. Chorei aquela perda, sobretudo pelo valor sentimental. Mal soube, meu tio depressa me ofereceu um novo caniço com carreto que ainda hoje guardo na adega de meus pais.
        Queria tanto contar e descrever tantas outras pedras preciosas deixadas pelo meu querido Tio. Sei que para muitos dos leitores pouco interessam. Poderão sempre procurar e reavivar cada pedra preciosa que alguém que vos é querido, deixou.
         Meu querido Tio Francisco… continuas a ser e sempre serás o Cabo Mar dos Arcos, mas sobretudo, mais um Urbano, guardião de muitos tesouros que deixaste e se escondem nos corações daqueles como quem conviveste, sobretudo nos dos teus filhos, esposa e netos.