sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Que Eu Vejo...

        Dia 30 de Agosto de 2013. 20h25. Arcos, freguesia de Santa Luzia, Ilha do Pico, Açores. Estou na Posição N 38º33.570' W 28º24.425'! Estou sentado no canto Noroeste da varanda da Adega dos meus queridos Pais, a cerca de 30 metros do Mar! O que eu vejo?.... Serei incapaz, através das minha palavras descrever tudo o que vejo... Estou num cantinho do Universo! Sendo este infinitamente grande, nunca serei capaz de descrever tudo o que os meus olhos alcançam.
        Vejo paz... Vejo tranquilidade... Vejo uma imensidão de Mar que se estende até ao Sol, que está prestes a O abraçar! Olho para Sul... Vejo força... Vejo pujança... Vejo energia... que vem na brisa do nosso majestoso e vulcânico Pico, a mais bela e encantada Montanha do Mundo. A Montanha sussurra-me aos ouvidos que o tempo continuará calmo nos próximos dias, com vento de Leste e o Mar manso... tranquilo... Diz-me para partir em paz, de regresso ao nosso Continente. Diz que cuidará de tudo o que vejo, o que me deixa tranquilo e em paz, tal como o tempo de hoje e dos próximos dias. Inclino-me perante Sua Majestade! À medida que me inclino meus olhos percorrem sua negra e cinzenta encosta, com tons dourados refletidos pelo Sol, até encontrar o seu manto verde que se estende até mim.
        Olho para Norte... Vejo uma ilha que parece não ter fim que se estica até onde o Sol espreitará amanhã de manhã. Vejo a sua cabeça, que mais parece um rinoceronte semi-submerso a mirar o pôr-do-sol (Ponta dos Rosais, cujo farol foi destruído no sismo de 1980). Não lhe consigo ver a sua cauda, mas há quem diga que existe e que se chama Topo, o que prova que a Ilha de São Jorge, tem fim!
        Olho para Oeste e vejo, quase colada a nós, parte da nossa Ilha Irmã... a Ilha do Faial! Ao longo deste mês de Agosto, a cada dia que passa, o Sol vai deixando de adormecer no Mar e passa a adormecer em Terra, começando por se deitar na Ponta do Cedros e procurando, paulatinamente, a sua dormida, por detrás do antigo Farol da Ribeirinha (destruído pelo sismo de 1998), que outrora iluminava as noites deste meu pequeno mundo! É sinal que caminhamos para o Outono! É sinal que o Sol procura um aposento mais resguardado, para as noites de Inverno que se aproximam! Neste mês de Agosto, sinto-me como o Sol... No início, quando cá chego, pareço mergulhar diariamente neste meu Mar e deixar que ele reflita o brilho que me vai na alma... À medida que se aproxima a minha partida para o Reinado de D. Afonso Henriques, parte desse brilho começa a desvanecer-se talvez pela dor da saudade que está prestes a chegar... a dor de deixar de estar fisicamente ligado ao meu querido basalto... a dor de deixar as minhas raízes para trás... É assim, ano após ano... tal como o pôr-do-sol de Agosto, neste meu Cantinho do Universo.
        Olho para Noroeste... Vejo um dos lados do Infinito... porque o outro lado, tenho-o descoberto (com a ajuda dos que me rodeiam e amam) dentro de mim, à medida que os anos passam! Aquele lado do Infinito, aquele Horizonte para onde o Sol caminha diariamente, é a imagem que trago comigo ao longo do ano. Se "o sonho comanda a vida", este meu Horizonte comanda a minha!
        Acabei de olhar em meu redor, o mais longe que a minha vista alcança (mundo físico). Vou fechando o meu raio de visão até este Cantinho do Universo - "Os Arcos".  Assim designado pelos inúmeros arcos de lava que aqui existiam, esculpidos pela erosão do Mar e também destruídos pela mesma. O mais famoso foi, sem dúvida, o da Ponta da Baixa, que ruiu no verão de 1977. Deste meu cantinho idílico do Universo, a Ponta da Baixa é, sem dúvida o local que mais tempo passa agarradinho aos meus olhos. Talvez por ficar na direção do "Meu Horizonte"! Talvez pelas memórias que os meus olhos levaram até ao meu outro lado do infinito... Talvez pela herança de inúmeras gerações que se converteu em memória genética, e que jaz em cada uma das minhas células, cunho de cada um dos meus queridos antepassados! O negro do basalto da Ponta da Baixa, que se estende junto à costa para o lado do Lajido e para o lado do Cabrito tem vários poderes extraordinários! O que mais admiro, é a capacidade de destacar cada pessoa que por lá passa! No meio do negro, o esplendor que os nossos olhos vêem em cada ser humano, sobressai... tudo o resto desaparece da nossa vista, até essa pessoa ir embora!
        O que eu vejo hoje, confunde-se com o que os meus olhos viram no passado e com o que os olhos dos meus queridos antepassados viram e passaram de geração em geração. Este é o outro lado do infinito que falava há pouco. Esta é a minha essência... É quem sou! É o que vejo! É o que sinto!
       Neste basalto eterno, hoje vejo a beleza e esplendor da minha querida mulher, das minhas queridas filhas, dos meus queridos pais, da minha querida irmã, cunhado, afilhada e sobrinho! Com todos eles vejo a minha querida avó Luzia de chapéu de palha, com aquele grande sorriso a caminhar para mais um banho na Maré, com a companhia de sua irmã Laura e as amigas! Vejo o seu irmão, Francisco do Urbano, empunhando a sua grande cana de bambu e carreto, a pescar aos sargos, à espera que aquela bóia de madeira mergulhasse na água,, mesmo ali na Ponta da Baixa... Vejo o Sr. Brindeira, a descer devagarinho a escarpa por de "Trás-da-Baixa", com a sua cana com ponteira (feita de "corno de vaca") numa mão e um cesto de asa de erva salemeira debaixo do braço, para ir pescar às salemas! Vejo tantos outros que não estão fisicamente entre nós, tanto aqueles que os meus olhos físicos tiveram a sorte de ver, como aqueles que os olhos de meus pais e avós viram e nos deixaram vivos, no infinito que vive em cada um dos seus descendentes.
        Parto Domingo para o Distrito de Santarém, a Terra que me adoptou para viver! Esta Terra não tem o solo férreo do basalto, material essencial para as minhas raízes (embora tenha outros minerais que me sustentam e me fizeram adquirir raízes aéreas). Levo-o comigo guardado dentro do meu infinito. Levo a energia da Montanha.... Levo a tranquilidade e paz que esta me deu... Levo o "Meu Horizonte"... Levo tudo o que vejo hoje, neste cantinho do Universo! Nos momentos bons... Nos momentos maus... é esta a minha essência! Caro Leitor ou Leitora... Já descobriu a Sua... a Sua essência? Por mais difícil que seja a vida, todos têm um momento... um local... que foi ou é o Seu Cantinho do Universo! Dificilmente temos olhos para apreciar e valorizar, quando estamos fisicamente presentes, cada um desses cantinhos! Na maior parte das vezes só o tempo, a distância e a saudade é que nos devolve a visão! Se está num desses cantinhos do universo, aproveite-o ao máximo e não descanse a vista! Se não está fisicamente presente, leve os seus olhos até esse cantinho, mesmo que os tenha de fechar!