quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Fazendo de Conta... que sou Professor!

       Todos os dias faço de conta que sou professor. O Sistema obriga-me a isso. Mesmo assim, penso que faço de conta q.b.. A Educação transformou-se num apinhar de burocracia, que depois de todo o tempo que passamos emaranhados nesta, pouco tempo nos resta para o que interessa... Ensinar...
         Hoje, lanço este "post", porque há dias, enquanto vasculhava documentos antigos, encontrei o rascunho de uma ata de conselho de turma do meu primeiro ano de serviço (5ºD, a turma do 5º Ano com maiores dificuldades), no meio da minha velhinha coleção de selos (que já passou pelas mãos de meu pai e de sua irmã, nos seus tempos de juventude). Comecei a comparar o meu trabalho enquanto professor de hoje e o trabalho de há 21 anos atrás. É incrível, como tanto mudou. Deixo no final deste "post", cópia desse rascunho de ata, o único documento oficial que existia, para além da pauta manuscrita e os registos de avaliação. Ao nível das aprendizagens dos alunos, tenho plena consciência que pouca evolução houve. Instalou-se sim, para os alunos, uma atitude facilitista, de que tudo se consegue sem trabalho e esforço.  Criaram-se uma série de decretos para fingir que todos têm sucesso e que todos conseguem concluir a escolaridade básica com aprendizagens comuns. Culpam-se apenas os professores,  tendo estes de "fazer o pino" e deixar registado, em papel, todas as estratégias possíveis e imaginárias, para motivar alunos que o sistema incentivou a não trabalhar, sentindo-se desmotivados para percorrer um caminho com a "papinha toda feita", sem sentido! Se um caminho fizer sentido, quanto mais difícil for a caminhada, maior será o prazer de concluir o seu percurso ("No Pain, No Glory!"). É este o verdadeiro sentir de qualquer ser humano.
        Não tenho qualquer dúvida que hoje, mais do que nunca, a percentagem de professores profissionalizados e pedagogicamente mais habilitados, é enorme! Tenho a sorte de trabalhar em par pedagógico com alguns colegas, bem como a assessorar colegas meus nas suas aulas de Matemática. Costumo recorrer às minhas memórias enquanto aluno. Só penso... "tive muito bons professores, mas quem me dera poder ter tido aulas didaticamente tão ricas, comparadas com as aulas exclusivamente expositivas de então". Era obrigado a estar com muita atenção, estudar e trabalhar muito em casa, se quisesse ter sucesso...
        Ao longo dos anos, fomos deixando de ser professores e o Sistema foi nos transformando em "burocratas". Fui tentado a ir ao "Dicionário de Língua Portuguesa 2008" da Porto Editora ver o seu significado: "Burocrata- 1 funcionário público, 2 adepto de obediência cega a rotinas e formalismos administrativos.". Fazemos quase tudo e pouco nos resta para sermos professores: "Professor- 1 indivíduo que ensina (uma ciência, uma arte, uma língua, etc)... 3 aquele que é adestrado ou perito em qualquer arte ou ciência":
        - Fazemos de Pai e Mãe (e temos de educar para além de ensinar; até a área de Formação Cívica criaram e que muitas vezes serve para tratar de "burocracia" com a direção de turma - está prestes a acabar por questões de "troikos"). Encontramos um grupo de 20 e tal alunos pela frente e é com se tivéssemos 20 e tal filhos adotivos: uns não têm pai e mãe; outros têm, mas estão separados; outros apenas os têm de corpo presente; outros nunca os vêem, pois têm um mundo laboral que assim os obriga; outros... enfim... e lá existem um ou dois que têm verdadeiro amor em casa e lá conseguem ter sucesso. Passamos mais de metade das aulas a tentar desenvolver competências sociais... a ensinar boas maneiras e a tentar apelar ao trabalho e ao esforço. "Senta-te"... "Trabalha"... "Está com atenção"... "Porque não fizeste os trabalhos de casa"... "Acredita que és capaz"...
        Há 21 anos, era muito diferente... É verdade que havia um ou dois que precisavam desta atenção, mas parecia que os restantes tinham amor suficiente em casa, para que tivéssemos tempo para ensinar. Não me venham com a treta da "Escola Inclusiva", porque já o era em 1990;
        - Depois vem o trabalho sem componente letiva.... Em vez de nos preocuparmos exclusivamente com a preparação de aulas... o sistema impõe... planificações e mais planificações; relatórios e mais relatórios; PCTs...; planos e mais planos... etc, etc, etc.... O mais caricato de tudo, é que não servem rigorosamente para nada, a não ser para inspetor ver! O Inspetor vem à Escola... vê se a papelada está toda em ordem (e se houver documentos novos e teoricamente bem concebidos, até são louvados)!  Está tudo OK, pode seguir... Se falta um papelinho... ou se falta uma frase... Ui! Ui!... Tudo deve estar justificado no papel... é assim o nosso país, relatório atrás de relatório, estudo encomendado, atrás de estudo encomendado... e depois vêm com a história da baixa produtividade!?
        Ainda bem que os inspetores vêm à Escola de vez em quando, ou então, toneladas e toneladas de papel teriam o destino do arquivo morto e jamais seriam lidos ou vistos!!! Enquanto Diretor de Turma, por vezes podem me apelidar de nem sempre ter todos os papelinhos em ordem, pois privilegio, em primeiro lugar, as aprendizagens dos alunos e só depois vem os papelinhos. Planificações, articulação curricular ... muitas vezes são feitas na sala de professores em conversa com os meus colegas... Cada dia é um sentir diferente... Cada dia é uma nova jornada... Quem ama a educação, tudo é registado... Tudo é registado no coração... Tudo é relembrado num reencontro futuro com aquele ex-aluno.
        Dou apenas um exemplo de um momento, onde ganho um pouco de autonomia para deixar de ensinar saberes estéreis que o Sistema impõe. Tenho a sorte de trabalhar com pessoas fantásticas. Uma delas é o meu colega Valdemar. Nas turmas de percurso curricular alternativo, nos últimos anos, temos lecionado a área de Prática Vocacional (Madeiras e Metalomecânica). É impossível descrever as aprendizagens conseguidas pelos nossos alunos, podendo os leitores deliciarem-se com alguns projetos nos meus "posts" do dia 7 de Fevereiro http://serounaoserverdade.blogspot.com/2012/02/com-quase-nada.html e do dia 8 de Dezembro http://serounaoserverdade.blogspot.com/2011/12/acreditar-nos-sonhos.html). Há saída de cada aula, enquanto nos deslocamos para a sala de professores, e após termos visto a evolução dos alunos, já planificamos a aula seguinte. Antes de entrarmos em cada aula acertamos agulhas. Planificações? Sim, tê-mo-las guardadas e estruturadas nas nossas cabeças. Mas, senhores inspetores, não se preocupem que tudo ficará escrito para que possam analisar quando cá vierem. Mas, em vez de perderem tempo a olhar para papel inútil, o trabalho dos nossos alunos está à vista de todos...
        Senhores inspetores, nenhum papel jamais substituirá as aprendizagens construídas... Um registo de avaliação, com níveis 4 e 5, jamais traduzirá as verdadeiras aprendizagens, pois o tempo acabará por apagar da memória dos alunos, muitos dos saberes teóricos que a Escola ensinou. Se não acreditam, tentem repetir todos os exames do Secundário! Teriam as mesmas notas do que quando andaram a estudar? Quem aprende a andar de bicicleta jamais esquecerá... Quem aprende a nadar jamais o esquecerá... Isto sim é aprender! Aprendizagens concretas... e não um rol de conteúdos teóricos que estão, hoje a um "clic" nas tecnologias da informação. "Quem ouve esquece. Quem vê, lembra. Quem faz, aprende" (Provérbio Chinês). É urgente saber fazer... É urgente deixarmos de fazer de conta que os nossos alunos aprendem... É urgente deixarmos de fingir que somos professores... É urgente deixarmos de ser puros burocratas...  é urgente deixarmos de ser "adeptos de obediência cega a rotinas e formalismos administrativos".

3 comentários:

  1. Por ser fã dos Scorpions, gosto mais da expressão "No Pain, No Gain", mas vai dar ao mesmo!
    Mais um bom post para se refletir.....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "No Pain, No Gain"... Scorpions no seu melhor...

      Abraço

      Excluir
  2. Mais uma verdade! Eu não sou professora mas trabalhei á volta deles, e vi muito bem como o sistema educativo funciona, e como sempre só posso concordar contigo!

    "The best teachers teach from the heart, not from the book". ~Author Unknown

    ResponderExcluir