Se algum leitor do Poder Político conseguiu me acompanhar nesta minha viagem (Blog), poderá já ter me insultado, nalguma das escalas feitas em algum porto de abrigo, através daquela voz interior que teima em não ter rosto, que teima em não ter olhos para olhar para dentro. Se não conseguem olhar para dentro, façam um esforço para olhar para o País.
Nesta paragem de hoje, falo da Casa Mãe da Democracia, ou melhor, da Casa Madrasta… a Assembleia da República. A casa que deveria ser o exemplo de democracia para qualquer criança ou jovem. Uma criança precisa de referências, precisa de modelos. Uma criança cresce como pessoa, em função desses modelos, experimentando-os e vivendo-os, aplicando-os ao longo da vida. Será a nossa Assembleia da República, o modelo da democracia idealizada pelo seu Pai e os seus fundadores? Será a nossa Assembleia da República um modelo da democracia para uma criança, para um futuro cidadão? Ora vejamos…
Um pai leva o seu filho a conhecer a Assembleia da República. Logo ao subir as escadarias frontais deste lindo edifício, uma criança cujos pais mantêm um Fiat Uno de 1991 e com “n” deficiências cada vez que vai à inspecção periódica de veículos, depara-se com uma frota de Mercedes e BMWs de última geração, para transportar os “missionários” do poder político, com direito a condutor particular. Subitamente, do parque subterrâneo vê sair mais outra frota de topos de gama. O pai diz: “Fui eu que paguei aqueles carros, com os meus impostos!” A criança, muito confusa e algo irritada, pergunta: “Mas, pai … porque então não nos compras um carro novo?” Aquele pai amargurado, com as mãos gretadas do cimento, do trabalho temporário na construção, não consegue palavras para esclarecer o filho. Ainda lhe diz: “O nosso carro foi comprado com o meu suor e o suor da tua mãe. Ganhamos pouco e temos de trabalhar muito para o conseguir. Todos os meses, os que circulam nestes carros retiram-nos dinheiro do nosso trabalho. Sempre que vamos às compras, damos uma parte do que pagamos para que esses senhores possam ter esses carros e gerir o país. Se não o fizermos, poderão nos tirar o nosso carro, a nossa casa ... São eles que mandam!” Remetida ao silêncio e viajando pelos corredores da sua mente, aquela criança pensa: “Mandar é fixe! Será que eles trabalham tanto como o meu pai?”
Aquela criança está ansiosa para entrar naquele lindo edifício e desvendar muitos mistérios. Ao entrar, a criança fica fascinada com a beleza arquitectónica daquela câmara. Fica fascinada por saber que existem 230 deputados que representam e defendem cada um dos distritos portugueses. Tudo parece fazer sentido, tirando aqueles carros que estavam à porta!
Iniciam-se os trabalhos parlamentares. Depois de uma terceira contagem, consegue contar apenas 182 deputados. Pensa: “Há sítios do nosso país que não estão representados!”. Estão a discutir a aprovação do orçamento na especialidade. Repara que enquanto um deputado fala, existem apenas um ou dois de cada bancada que o ouvem para ripostar. Um grupinho da bancada do orador diz em voz alta, sempre que o orador diz uma frase: "Muito bem... Muito bem...!" (talvez para passar a imagem de que o que foi dito faz sentido). Os outros… uns estão ao telefone, outros a trabalhar (ou a fingir trabalhar) ao computador (a navegar na internet ou no "Facebook"), outros estão de “headphones”. Mais confuso fica esta criança … pois era suposto estarem atentos, a pensar na sua Terra, no distrito que representam e nas pessoas que lá vivem, para quando houvesse votação, pudessem votar em consciência.
O pai esperara até aquele “miúdo” atingir os onze anos para o levar ao Parlamento, mas sentia-se angustiado por o ter feito, pois tudo o que foi testemunhado naquele dia, ia contra as lições de democracia dadas pela família. Os olhos daquela criança perderam, naquele momento o brilho. Desfez-se a construção mental de algo que, afinal, não existe no nosso país! Afinal, aquela criança apenas vivera o sonho da democracia, com base nos onze anos de ensinamentos da sua família. O pai parafraseou um pensamento de Ganhdi: “Acreditar em algo e não o viver é desonesto”. Aquele pai sempre acreditou na Democracia, mas não poderia continuar a ser desonesto com o filho, pois, não a vivemos! Afinal é uma Democracia do faz-de-conta!
Deixo-vos um vídeo de Charlie Chaplin, no filme "O Grande Ditador" de 1940. Simplesmente belo e atual.
Nota - Qualquer semelhança com a realidade, da ida do menino à A.R., é pura coincidência.
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