segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Amigo que Vive dentro de Mim

        Domingo, 16 de Abril de 1989. O dia que me havia de marcar para sempre a minha vida. Nesse dia … no final desse dia, senti algo de muito estranho. Senti tristeza, senti que algo não estava bem. Sentei-me em frente à minha casa, num pequeno rochedo, mesmo junto aquela murta (arbusto) do lado da “atafona” (casa com moinho movido a tração animal)! Não ouvia o cantar dos melros, característico ao pôr do sol. Apenas “ouvia” um silêncio profundo…
        No dia seguinte… entrei no autocarro para a Escola! Como de costume, chamei logo pelo Isidro, pensando que estava escondido por detrás de algum banco (adorava brincar)! Um a um, vi os meus colegas a começar a chorar… Sentei-me ao lado do nosso amigo José António … José desatou a chorar e disse “Rui, o nosso Isidro morreu!”. Foi como que se o Mundo acabasse ali… Considerava o Isidro Rosa o meu irmão, um amigo … Brincávamos juntos, estudávamos juntos, ouvíamos Def Leppard juntos, fazíamos caça submarina juntos… Sempre feliz… trazia felicidade aos que o rodeavam… Aquela gargalhada era inconfundível!
        Naquele dia, depois do futebol, Isidro regressava a casa, nas calmas, na sua moto (50 cc). Ao ultrapassar uma carrinha, ali mesmo junto à casa do Padre Pedro, no Cabeço Chão, esta virou à esquerda. Embateu na carrinha e caiu, batendo com a caixa torácica no canto do muro. Manteve-se sempre consciente. Sem hospital na Ilha, esperou pela lancha para o levar para a Ilha do Faial. Não resistiu ... uma costela havia lhe perfurado um pulmão. Na viagem para o Faial, dizia ao pai... "Retira-me a mota, mas não me deixes morrer!". Provavelmente se houvesse um hospital por perto... tudo teria sido tão diferente.
        Quando vi o Isidro, pela última vez, não acreditei que tinha falecido. Mantinha aquele ar de felicidade. Tudo não passava de um pesadelo. Pedia a Deus um milagre... Esse milagre foi concedido, pois Isidro nunca morreu! A sua vida continua... continua dentro de mim, tendo me ajudado imenso na minha caminhada e na forma de encarar a vida! Tem sido uma referência para os meus alunos! Partilho episódios da sua vida, com quase todas as turmas que tenho!
        Partilho um convosco, ao qual devo parte da minha existência. Um dia, num mergulho de Inverno de caça submarina, na Costa do Cabrito (Santa Luzia, Pico-Açores), Isidro restitui-me a vida. Num mergulho, depois de ter esperado por um sargo dentro de um buraco a cerca de 15 metros de profundidade, tendo-o trancado e o arpão ter ficado preso entre duas rochas, não consegui sacar o arpão. Não sustendo mais a respiração, iniciei a minha subida à superfície. Por azar, enquanto estava a tentar sacar o arpão, o fio enrolara-se na minha perna direita e no punhal. Tentei descer um pouco, mas já não conseguia. Tentei tirar o punhal para cortar o fio, mas este estava embrulhado no fio. Quando dei por mim, o Isidro já me tinha trazido até à superfície, após ter cortado o fio e me tirado o cinto do chumbo! A vida é tão frágil… e está “presa por um fio”! O Isidro segurou-me esse fio! Não o pude fazer ao Isidro, no dia 16 de Abril de 1989!
        É incrível. Apenas tenho uma foto junto do Isidro. Vivíamos tão intensamente que não tínhamos tempo para tirar fotografias. Fica aqui uma foto da turma do 10º Ano (1988). Todos conseguem identificar o Isidro. Basta procurar quem tem o maior sorriso!                                          
       

       Ficam aqui dois textos do Isidro, escritos em Inglês (e traduzidos por mim), pouco tempo antes de nos deixar fisicamente. Guardo cópia dos originais. Traduzo-os e partilho-os convosco. Têm me levado a refletir... Nada acontece por acaso!

“REFUGIADO”
“Em primeiro lugar isto não é mais do que um pesadelo que de certeza irá expirar depois de mais uns minutinhos da minha sesta diária. Os dias vão passando, mas, espera um momento … eu começo a sentir a dor, o desespero … e não consigo acordar.
A minha impaciência está a crescer ao mesmo ritmo que os dias se tornam maiores, sem qualquer significado e sem quaisquer sinais de esperança ou futuro.
O que faço aqui? Porque sou vítima da ganância de alguém, pelo poder ou pela teimosia nacionalista sobre ideais impossíveis???!
Estou-me a tornar fraco e sem força para resistir ou continuar a viver, o que apenas me dá a habilidade para aqui me deitar e providenciar ao meu sofrimento memórias de uma vida que uma vez existiu….”





        “Passados todos estes anos, finalmente consegui alcançar a Terra desejada, é maravilhoso não é? Na realidade, não é! É de alguma forma assustador e enervante. Poucos balanços tenho dado desde…tu sabes o quê. É com muita dificuldade que consigo pegar com firmeza na esferográfica para escrever (vejam a minha caligrafia). Parece que todo este enorme país tem os seus olhos colados e concentrados neste meu pequeno quarto e em mim, seguindo-me todos os meus movimentos, à espera do meu primeiro erro para que todos saltem sobre mim, transformando-me num bonito embrulho de papel canelado, para ser enviado de volta às minhas origens, com o carimbo de “Rejeitado” inscrito numa das suas faces.
            Amanhã terei de enfrentar o chamado “novo mundo”. Cada passo que tiver de dar será como se fosse o primeiro, cada passo que eu não der será como algo que me passou ao lado ou que eu deixei para trás. A minha jornada pelo desconhecido irá começar, levando-me a percorrer um caminho cheio de obstáculos ou, talvez, uma suave autoestrada que o meu destino me aguarda…”


                                                                                                           Isidro Rosa



15 comentários:

  1. Adorei! Lembro-me dessa altura e de vocês serem muito amigos. Lembro-me de o ambiente na escola estar muito pesado, sombrio... ele era uma pessoa muito querida por todos. Bela homenagem que fizeste a ele, apenas com as tuas sentidas palavras. Bjs

    Telma

    ResponderExcluir
  2. Foram momentos difíceis para a toda a Escola. Nas aulas, aquela ausência era uma dor imensa para todos. Na primeira aula que tivemos de Biologia, com a professora Nina (na foto), entramos em silêncio... ela colocou um pequeno "amor-perfeito" roxo, na carteira do Isidro... Ninguém daquela turma o esquecerá...
    Preparávamos a nossa viagem de finalistas... desistimos de a fazer (pois, sem o Isidro deixou de fazer sentido porque o grupo perdera a sua pérola). Doamos a nossa parte do dinheiro ao nosso Amigo Isidro, para que ele conseguisse a melhor "viagem de finalista" possível.

    ResponderExcluir
  3. Nada acontece por acaso!
    Não, nada acontece por acaso, tudo tem a sua razão de ser, nem sempre conseguimos entender, mas muitas vezes sim.
    Pois hoje logo pela a manhã, minha filha Celina ligou-me e disse que estava lavada em lágrimas, porque leu o texto do Rui que falava do seu cunhado Isidro. Eu pensei, como tiveste tempo a esta hora para ir ler um Blog, quando andas sempre apressada para aprontar o Pedro para a escola e ir trabalhar, mas algo, logo de manha cedo, chamava-a para espreitar. Porquê? Porque sabiam(Quém???)o quanto ela íria adorar.
    Nem eu nem a minha filha chegamos a conhecer o Isidro, mas temos uma ligação a ele inexplicável. Ela porque nos seus pensamentos fala com ele como se o conhêcesse desde de sempre e sente a sua ajuda em tempos dificéis, e eu porque sinto no meu coração, que ele está olhando por eles, especialmente o meu netinho Pedro. O Isidro teve cá pouco tempo mas tocou no coração de muitos e ainda hoje continua. Só este teu texto vai tocar nos corações de muitos leitores. Ele é um Anjo da Guarda,eu também acredito!!!

    ResponderExcluir
  4. A Celina mandou-me uma linda mensagem hoje por telemóvel... depois de ler este post que escrevi sempre com aquelas lágrimas...
    Tia, é verdade, o Isidro tem sido sempre um anjo da guarda, para mim e para as pessoas que mais amo! Dou apenas dois exemplos... Há dois anos seguíamos (em família) numa viagem de carro para irmos buscar um cão ao Porto. Numa estrada, com uma valeta de cerca de um metro de profundidade e cerca de 1,50 m de largura de cada lado da estrada, eu ia a cerca de 80 kms hora. Iam dois carros à nossa frente e vinham outros em sentido contrário. Os carros que iam à minha frente travaram de repente. Eu não tinha tempo de parar e se batesse nalgum dos carros seria uma desgraça. Só a mão de um anjo da guarda, pegou no nosso carro, saímos de estrada a 80 kms hora, sem travar nada, ultrapassando pela direita os carros que pararam, tendo as rodas da direita passado para o outro lado da valeta e depois regressado à estrada, seguindo o nosso caminho. O carro não apanhou um risco que fosse... Paramos uns kms mais à frente para tentar perceber como tudo tinha acontecido. Eu e a Carla não conseguimos explicar o que se passou... quando naquele sítio muito carros capotam...

    Outra vez na Madeira adormeci ao volante, a carrinha dirigiu-se para um precipício que ia até ao Mar. A carrinha embateu no único pedacinho de muro que tinha na zona e tive o reflexo de ainda puxar a carrinha para o lado da estrada. Um ou dois metros mais à frente ou mais atrás, não havia qualquer muro...

    Muitos exemplos teria para dar... há quem diga "Tens uma sorte dos diabos"... não, não é sorte é apenas o meu anjo da guarda!

    ResponderExcluir
  5. Lindo! O Anjo da Guarda do meu filho e nao so...de todos aqueles que o Amaram em Vida e ainda Hoje pra todo o Sempre!

    Celina Rosa

    ResponderExcluir
  6. Lindo, Rui, sabes nessa altura o Isidro havia trabalhado comigo no Hotel caravelas, foi por pouco tempo, mas foi excelente trabalhar com ele, éramos amigos e tínhamos muita estima um pelo outro, nesse dia eu estava a trabalhar no Hotel, lembro-me tão bem, quando me deram a noticia estava fazer um Gin Tónico para o actual presidente da Câmara da Madalena, pois dali resultou tudo menos Gin, a emoção foi tanta,todos os que estavam no bar do Hotel ficaram consternadissimos tínhamos jogado futebol juntos nos Juniores do Madalena, o Jose Antonio Soares, para quem era o Gin havia sido nosso treinador.

    António Manuel Rosa

    ResponderExcluir
  7. Oh Rui que palavras tão lindas do Isidro... Adoramos ler mt obrigado.Ele está ótimo e está olhando por todos nós,acredito mt nisso! Beij pra vocês.

    Celina Rosa

    ResponderExcluir
  8. Rui esté lindo. Muito obrigado ter recordares o meu primo e amigo ISIDRO. Obrigado.

    Susy Rosa

    ResponderExcluir
  9. Obrigado mais uma vez,tocastes o coracao de mta gente c tuas palavras sinceras e carinhosas do nosso adorado ISIDRO.

    Celina Rosa

    ResponderExcluir
  10. Celina... na verdade foi o Isidro que entrou nos nossos corações... Eu apenas partilhei essa amizade e esse Amor, que vive comigo no meu dia a dia.

    ResponderExcluir
  11. Celina, adorei a partilha de músicas dos Def Leppard no Facebook. O Isidro adorava a canção "Animal"...

    ResponderExcluir
  12. Def Leppard -- "Animal"

    Just some lyrics that make you think that all we believe is true.

    “Like a moving heartbeat .........
    I’m runnin’ with the wind
    A shadow in the dust
    And like the drivin’ rain
    Yeah, like the restless rust
    I never sleep”

    ResponderExcluir
  13. Rui:
    Li, reli e… não consigo escrever!
    Apenas partilho o seguinte, olhando para a foto da turma igual à tua que conservo numa prateleira do meu escritório:
    A partida do nosso Isidro (o meu 1º Isidro, pois agora tenho o 2º, de quem, como sabes, sou tia paterna e ele seria tio materno…) foi o passamento que, até à data, mais me custa a aceitar.
    Ao longo dos anos, de vez em quando tenho visitado a sua campa – nunca tinha dito o que acabei de escrever.
    Numa das nossas aulas aconteceu algo com o Isidro (julgo que adormeceu, lembro-me que naquele ano adormeceu duas vezes, por ter ido trabalhar numa discoteca) que me fez parar, olhar para ele, sorrir e fazer qualquer comentário que fez com que uma colega acrescentasse “Ele é o seu menino bonito”. Mas fê-lo também sorrindo e com meiguice, porque o Isidro não era o meu “menino bonito”, o Isidro era o “menino bonito” de todos nós!
    Com saudade,
    Profª Genuína (Nina)

    ResponderExcluir
  14. É verdade, querida professora, amiga e colega... Foi o "menino bonito de todos". Lembro-me perfeitamente da aula em que ele adormeceu de cansaço e da história do "menino bonito"! Obrigado por tudo o que me ensinou, enquanto aluno e colega (em 1997/1998 na Escola de São Roque), não só os conteúdos da Biologia, mas o verdadeiro conteúdo e a essência da vida! Obrigado!

    ResponderExcluir
  15. Agradeço as tuas palavras, reconhecendo no seu exagero a amabilidade e toda a tua simpatia.
    Como professor, sabes que é um prazer dar aulas ao tipo de alunos a que tu pertenceste.
    Quem me dera ter feito melhor!, porém fico feliz pela existência de boas recordações, quer do meu lado, quer do teu.

    Genuína Sousa

    ResponderExcluir