Num certo dia do Séc. IV d.c., após uma longa jornada de trabalho, Santo Agostinho adormecera e tivera um sonho que o ajudara a esclarecer todas as suas dúvidas, sobre o Mistério da Santíssima Trindade. Era um grande pensador e procurava incessantemente explicar a existência de Deus (nas suas 3 pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo), através da razão humana! Sonhou que caminhava sobre uma praia deserta,
a admirar o lindo mar e o belo céu onde passeavam as gaivotas. Ao longe avistou um menino que, com
um balde de madeira, ia até a água do mar, enchia o balde
e voltava, onde despejava a água num pequeno buraco na areia. Ao se aproximar do menino perguntou-lhe: - "O que estás a fazer?". O menino, com toda a serenidade de um olhar puro, respondeu-lhe: - "Vou pôr toda a água do mar neste buraco que fiz na areia!". Santo Agostinho riu-se e disse-lhe: - "Oh rapaz... isso é impossível! Já viste a quantidade de água que existe no oceano? Achas que a consegues meter toda nesse buraquinho? Para além disso, por mais água que coloques, ela sumir-se-á entre os grãos de areia!". O menino acabou de despejar mais um balde de água, voltou a olhar para Santo Agostinho e disse-lhe: "Senhor, em verdade vos digo: é
mais fácil colocar toda água do oceano nesse pequeno buraco
do que a inteligência humana compreender os mistérios de
Deus!"
Esta era uma história que meu pai me contava, na minha infância... Com uma educação católica, e tal como Santo Agostinho (tirando a parte do Santo, claro!), sempre procurei encontrar explicações para a existência de Deus. Lendo a Bíblia, nada encontrei que fosse contra as descobertas científicas, desde a ordem da criação do universo, do mundo e das suas criaturas, ao pecado do ser humano lá no Paraíso... Tudo é escrito na forma de um poema e tudo bate certo. Cada palavra é um ensinamento que nos abre o coração. Não compreendo como há senhores da Igreja que lêem a bíblia à letra???! Relativamente à omnipresença de Deus e da Santíssima Trindade, aprendi que é algo que a razão humana não consegue explicar! Só o coração o consegue, através da fé... Não é mais que acreditar num sonho, nunca desistir e buscá-lo, mesmo que a razão nos diga que nunca lá chegaremos! Fisicamente não...
Na Ilha do Pico, Açores, todos os anos, no 7º Domingo depois da Páscoa, "mais um baldinho de madeira, aquele menino traz com água do mar, para encher aquele buraquinho"! Aquele menino está representado num povo que, com a sua fé, nunca deixou de acreditar na Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. São as festas do Espírito Santo! Ninguém O vê, ninguém O consegue explicar... mas todos O sentem, todos O partilham!
Na casa do mordomo fazem-se os últimos acertos, antes de chegarem os foliões. Naquele altarinho, enfeitado com muito amor, descansa a Coroa que representa o Divino e ao lado o estandarte, com a pomba branca (Dia de Pentecostes, desceu sobre os apóstolos representando o Espírito Santo) na ponta do mastro. As pessoas começam a chegar... todos estão convidados! Um foguete sobe no ar a avisar que está prestes a sair a procissão. As crianças juntam os paus para formar os quadros, que levarão o mordomo e a sua família até à igreja. A igreja enche-se de flores, cor e vida. Os cânticos comparam-se aos cânticos dos passarinhos, numa linda manhã de primavera! Chegou a altura da coroação! Os mordomos recebem, daquela coroa de prata, a benção do Espírito Santo. Interiormente, agradecem tudo de bom que a vida lhes deu e querem muito partilhar essas coisas boas com toda uma comunidade! É uma partilha... por mais pobre que seja o mordomo, a verdadeira riqueza está no seu espírito de dádiva e de entrega aos outros, tão pouco comparado com o que recebeu de cada um dos membros daquela comunidade e do que recebeu diariamente do Espírito Santo.
Termina a missa... os foliões no adro tocam aqueles bombos e cantam! Preparam-se os quadros e a procissão para regressar a casa do mordomo. Lá em casa, uma equipa de amigos e familiares, trabalham desde as 3 da manhã, onde caldeirões enormes cozinham a carne, enquanto outra é assada. Fatia-se o pão e barra-se com manteiga. Colocam-se numa celha de madeira, as fatias empilhadas, com folhinhas de hortelã pelo meio. Regam-se com o molho da carne... São as sopas do Espírito Santo. O mordomo há mais de uma semana que prepara esta festa. Desde as tendas cobertas de faia, incenso ou folha de roca, que darão sombra às pessoas enquanto comem, passando pela massa sovada, pelo arroz doce e pelas "vésperas" ou "rosquilhas" (dependendo da freguesia), toda esta dádiva é preparada com muito trabalho e amor.
Chegam todos... São às centenas... Tudo parece perfeito... Famílias juntas almoçam... Agradecem aquela partilha... o Espírito Santo está presente... ninguém o vê... todos o sentem... Manifesta-se através do Verdadeiro Espírito... O Espírito Humano... e esse... Todos o podem ver, todos o podem sentir!
Pensará o leitor que a Festa está prestes a terminar? Pois, diria... a festa agora começou! Acabam de almoçar... todos ajudam a lavar os pratos, travessas, copos, terrinas e talheres, pertencente ao Império comunitário do Espírito Santo. Preparam-se novamente os quadros e a procissão para levar o Divino Espírito Santo até à Sua Morada "Capelinha do Espírito Santo" (Império). À medida que a procissão avança, e como por milagre, de cada casa sai um "açafate" de vime com uma conta de "Vésperas" ou "Rosquilhas" (pode variar entre as 25 e as 36, de terra para terra), à cabeça de um dos membros da família. A procissão alonga-se num espetáculo sem igual. Cada "açafate" é enfeitado com as melhores flores de cada jardim... Os foliões cantam: "Oh Divino Espírito Santo... Cheira a cravo, cheira a rosa... cheira à flor da laranjeira..."! Chegados ao adro, em frente ao "Império do Espírito Santo", os "açafates" são disposto em cima de bancos corridos! São milhares de "bolos"-" vésperas" ou rosquilhas! O padre benze cada um dos "açafates" recheado e enfeitado por cada uma das famílias. Foram muitas noites de muito trabalho, a "sovar" massa, para naquele dia partilhar com todos os que ali passassem. Pobres, ricos ... todos! Não há ninguém que passe pela festa que não leve um "bolo"... À volta de toda a ilha, todas as freguesias festejam o Espírito Santo. Santa Luzia, uma das freguesias que partilha as "vésperas", celebra o domingo do Espírito Santo e no domingo seguinte repete a festa em honra da Santíssima Trindade. Há freguesias que festejam a 2ª Feira e outras a 3ª. Na minha família era tradição dar a volta à ilha nestes dias. Enfeitávamos a Toyota Dyna com flores e lá íamos em família. Era espetacular ver os diferentes impérios. Alguns guardo-os na minha memória, desde Santa Cruz das Ribeiras, Terras, São João, Valeverde, Madalena, entre tantos outros!
Tenho muitas saudades deste tempo e de passar o Espírito Santo no Pico. Enfim a vida é sempre bela, mas nunca perfeita! Foram estes momentos que hoje me fazem ver a vida como bela! Foram estes momentos que me ensinaram a acreditar na vida como uma dádiva e como uma partilha! Foram estes momentos que me fazem acreditar no Espírito Santo e deixar de me preocupar em compreender o Seu mistério! Foram estes momentos que me ensinaram a compreender e a valorizar, cada vez mais, o Verdadeiro Espírito: O Espírito Humano!
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