terça-feira, 8 de maio de 2012

9 Anos de Desaprendizagem

        Uma sala do Pré-Escolar algures num determinado ponto do País. O primeiro dia de um percurso escolar que se espera ser uma construção de um conhecimento em espiral e da formação de um ser humano, enquanto cidadão ativo, transformador dos pedacinhos de mundo que lhe pertencerão. Um excelente ano de sociabilização, uma oportunidade única para se iniciar no reconhecimento da importância da diversidade para a construção de uma identidade e da unidade de um grupo, tendo sempre por base o respeito pelo próximo e os mais nobres valores da humanidade. Para as minhas filhas foram anos fulcrais na sua formação enquanto pessoas (a todos os níveis). Uma sala com identidade, repleta de desenhos, cor, vida e de vivências de cada um daqueles pequenos olhos com um olhar imenso...
       Entramos no primeiro Ciclo do Ensino Básico... O início de uma espécie de formalização do ensino, onde a maior parte das salas apresentam uma disposição tradicional, como se de uma tabela Exel se tratasse. Felizmente, nesta fase, nesta versão de Exel, o preenchimento das células ainda é nominal e não numérico, pois são muitas as horas que aquele professor passa com aquelas crianças, tendo a oportunidade de estabelecer uma relação quase de um familiar, uma relação de grande afeto e de amor. Aprender a ler e a escrever, é para muitos destes alunos (das poucas coisas que vão aprender na Escola e a não esquecer). Aprender que também existem "letras"(algarismos), que combinadas podem representar números e que nos ajudam a conhecer o nosso mundo real, também poderá ser algo, quase mágico nestas tenras idades. O problema é mesmo quando começam a interpretar o Mundo que os rodeia, já conhecendo esses números. São 10 horas da noite, o pai não chega para lhe dar o beijo de boa noite porque tem 2 empregos, para trazer 600 euros para casa, para sustentar a família de 4 irmãos, pagar uma renda de 350 euros e uma conta de eletricidade que chega aos 120 euros mensais. "Tanto número, tantas contas que o meu pai faz... e, sabem?... ele diz que ainda é um sortudo por ter emprego". Por outro lado existem aqueles que às 10 da noite não têm o pai para o beijo, porque foram deixados "em 1" ama que leva 100 euros por noite, para que o pai possa ir curtir a noite no seu Porshe Cayene de 100 000 euros. Para compensar  a sua ausência,  ofereceu-lhes na semana passada uma PSP de 140 €, cujo modelo não lhes agradou, tendo comprado no dia seguinte o novo Modelo Vita por €200... Uma sociedade com cada vez mais extremos (Ricos vs Pobres - se falarmos apenas de poder económico, pois não vejo nenhuma vantagem no 2º Exemplo para ser potencialmente um rico ser humano, comparando com o 1º). Uma sociedade comandada pelo poder económico, transformou-se numa sociedade de desequilíbrios, que se refletem no crescimento e formação de cada criança.
        Mesmo com tantos desequilíbrios provocados por nós adultos, a fantasia e a inocência em que vive uma criança do primeiro Ciclo, permite-lhe aprender muito neste primeiros anos de escolaridade, apesar do Sistema esquecer que é Criança e a encarcerar num recinto desde as 8h30 às 17h30, onde a obsessão da enormidade dos currículos escolares leva-nos a debitar Língua Portuguesa e Matemática, a um ritmo supersónico, para conseguirem ter êxito numa prova de aferição estéril a realizar no 4º Ano!!! Depois surge uma coisa a quem alguém chamou de Escola a Tempo Inteiro (Prisão a Tempo Inteiro enquanto os pais não chegam do trabalho - os que ainda o têm) com a criação de atividades (ditas) de enriquecimento curricular... De enriquecimento, porque muito pobre é o currículo (é a única leitura que faço)! Para quê enriquecer algo que já é rico? Muito pobre... Como pode uma criança aprender Matemática se não conhece a harmonia de uma melodia musical? Como pode uma criança conhecer o mundo real se não o consegue pintar da cor que o sonhou? Como pode uma criança aprender a ler e a escrever criativamente e com sentimentos, se não consegue representar o bailado de uma rola que se enamorou pela vida? Como pode....?????
        2º Ciclo do Ensino Básico... Onde a verdadeira formalização do ensino começa. Onde a versão Exel se torna apenas numérica, com fórmulas e mais fórmulas matemáticas jamais reconhecidas pelos alunos e por nós adultos, ficando perdida a identidade de cada uma das células. Se as folhas Exel têm 3000 células ou 9000 (como num caso de uma proposta de Mega Agrupamento em Mafra), para o Ministério nada ou pouco interessa... Apenas interessa a fórmula final, cujo somatório é um desinvestimento no futuro, com perdas e custos astronómicos para a nossa sociedade. Saindo da idade da inocência e da fantasia, os nossos queridos alunos apercebem-se de todas as engrenagens de um Sistema que nada tem a ver com o Mundo Real dos adultos comuns. Lá fora, a vida é muito difícil, com muito suor e trabalho (não podemos dizer o mesmo para grande parte dos donos do mundo)! Na escola o sucesso está ao alcance de todos, tendo que se esforçar e trabalhar um pouco numa das metades do ano letivo. Quando falo de sucesso falo das notas (avaliações finais), porque ao nível das aprendizagens, com a enormidade dos currículos e da informação debitada (sem qualquer sentido nas eras de hoje), os alunos pouco ou nada aprendem. Aprender fazendo, construindo, manipulando, transformando "os pedacinhos de mundo que estão à sua guarda" é a única forma de aprender. "O que eu ouço, esqueço. O que eu vejo, lembro. O que eu faço, aprendo." (Uma frase fantástica de Confúcio, filósofo chinês que viveu entre os anos 551 e 479 a.C.). Estou farto de teorias e mais teorias, estudos e mais estudos, reformas e mais reformas, tretas e mais tretas... Já há muitos anos que tudo está provado.... Depois vem a questão do "saber ser"! Quem não "sabe ser" terá muita dificuldade em "conseguir fazer"! Também aqui tudo está mais que provado! Pavlov tinha razão (pois acima e antes de tudo, somos animais)! Os behaviouristas tinham razão! Os cognitivistas tinham razão! O Freud teve razão! O Gardner teve razão com a sua proposta de inteligências múltiplas! Todos foram importantes para nos conhecermos e percebermos o "saber ser"! Mas, caros leitores e leitoras, acima de tudo há um património deixado pelos nossos egrégios avós, um património de valores e de regras que deveriam sustentar uma sociedade democrática, livre!!! Quem se sente livre com o modelo de sociedade e de Mundo que os "poderosos" criaram?
         Farto-me de pedir desculpa, porque escrevo demais e parece que nunca consigo dizer tudo! Íamos no 2º Ciclo... Como professor deste Ciclo do Ensino Básico, sinto, que apesar de tudo fazer para que os meus alunos levem consigo uma Matemática que lhes seja útil para a vida, um currículo infernal e brutal, para ser lecionado em salas de aula estéreis, não me permite ir mais além. O Sistema impõe que se cumpra o que não é possível cumprir (com aprendizagens significativas - saber fazer), que se cumpra um emaranhado de conceitos abstratos, numa faixa etária onde a prática e as destrezas física e emocional têm muita necessidade de explodir! Preparo-os para os exames de 6º Ano... O que constato? Sou um péssimo professor... Só pode...! Os resultados pioraram em relação aos da prova de aferição do 4º ano! Os alunos desaprenderam!!! É uma frustração imensa!!! Quem já a sentiu??? Quem nunca a sentiu, ou quem se senta num ministério sem o sentir... faça um favor... Venha lecionar os nossos currículos, aos nossos alunos dos 5º, 6º, 7º, 8º ou 9º anos! Depois podemos nos sentar aí numa esplanada, a beber um cafezinho, a falar de Educação!
       Bem, depois vem o 3º Ciclo do Ensino Básico (tudo menos básico!). Poderei chamar básico a um currículo com 14 ou mais áreas curriculares? Poderei chamar básico a um programa que obrigue os alunos a saber todos os países da Europa, as suas capitais, as suas fronteiras, os seus montes, os seus lagos e sei lá mais o quê? No tempo do Estado Novo ficávamos apenas pelo nosso País! Numa sociedade de informação... fará sentido?... E depois têm ainda as outras 13 áreas curriculares... A acrescentar a tudo isto vem a puberdade e a idade da rebeldia, que se não for controlada (tive a sorte de ter uns pais fantásticos que o souberam fazer, graças a Deus ou a outra coisa qualquer - para quem não acredita) se torna no descalabro do Sistema Educativo a que assistimos. Um Sistema onde tudo é permitido e tudo é fácil, com a cumplicidade de muitos pais que acabarão por sofrer as consequências (mais cedo ou mais tarde), bem como esses jovens que muito me preocupam!
        Exames do 9º Ano... Até temos medo de olhar para o percurso escolar dos alunos e comparar os 3 momentos de avaliação externa destes 3 ciclos do ensino básico! Conclusão... os alunos acabaram de concluir (ou não) 9 anos de "desaprendizagem"! De quem é a culpa... claro está... única e exclusivamente dos professores que tudo fazem para que um bocadinho de Escola fique em cada aluno. Lá conseguem encontrar 2 em cada trinta alunos, com os valores dos nossos avós, e cujos familiares lhes fazem (ainda crer) que tudo na vida se consegue com muito trabalho, suor e, sobretudo por respeito ao próximo! Estes alunos e estes pais é que ainda me fazem acreditar que, mesmo com a massificação do ensino, se houver algum Ser Humano que conduza os destinos do país, colocando as pessoas em primeiro plano e tendo a coragem de romper com parte do Sistema (apesar de termos de sofrer neste hipotético processo de transformação), seria uma árvore que daria lindos frutos a longo prazo! Existe por aí algum Hércules (não Deus, mas Ser Humano) da política (que não venha da Grécia, por favor) com coragem de nos colocar no rumo certo! Se houver, terá um Nobre Povo que o acompanhará!

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