A Mãe Natureza ama todos os seus seres vivos, todos os seus filhos, por igual. Sabe que existe uma lei, onde o mais forte vence e sobrevive, para que cada espécie possa, geração após geração, apresentar uma evolução que consiga resistir às constantes alterações do meio ambiente e aos perigos (o ser humano foi o único que evolui perdendo pujança física, concentrando-se a sua potência na "racionalidade"). Esse amor é expresso à nascença de cada animal. Muitos animais ovíparos, como é o caso da tartaruga marinha, nascem sozinhos com centenas de outros irmãos, eclodindo de uma ninhada deixada na areia pela sua progenitora, cerca de três meses antes. Por não terem a proteção dos seus progenitores, a Mãe Natureza, permitiu que nascessem às centenas, sabendo que a probabilidade de sobrevivência para estas novas criaturas, indefesas e sós, é muito reduzida. Já os animais vivíparos, como os mamíferos e nomeadamente o Ser Humano, por norma, dá à luz apenas um bebé. A Mãe Natureza concedeu-nos o dom de termos pais, que nos protegem nos primeiros 9 meses de gestação e durante uma infância, adolescência e juventude, com todo o amor necessário. Infelizmente, e ao contrário de todos os outros mamíferos, o ser humano por vezes esquece esta dádiva que lhe foi concedida pela Mãe Natureza. Muitos pais abandonam os seus filhos à nascença. Outros apesar de presentes, estão tão ausentes como os que abandonaram os filhos. Outros dão todos os bens materiais e fazem todas as vontades aos filhos, sem contudo lhes dar amor (compreenda-se amor como o equilíbrio entre o "não" - limites - e o carinho do aconchego de um abraço)! Outros vivem imbuídos por um egoísmo desenfreado que nada dão aos seus filhos... Todos estes são os "filhos tartaruga"... Nascem numa praia e têm de fazer uma longa viagem, a sós, estando as suas vidas entregues apenas à sorte e ao azar, ultrapassando areais e depois vencendo ou deixando se levar, pelas inúmeras correntes da vida.
Todo o Ser Humano tem coração. Todo e Ser Humano nasce despido de coisas más! Nasce puro... O mesmo acontece com "os filhos tartaruga". Contudo, entregues a si próprios, vão desenvolvendo capas e mais capas (carapaças) que lhes escondem o seu coração, vão colocando máscaras e mais máscaras que lhes escondem a verdadeira identidade e a essência humana. Na realidade, todos nós desenvolvemos essas capas e colocamos máscaras, quando nos preocupamos demasiado com a nossa imagem e com o que os outros pensam de nós (só começamos a despir-nos dessas capas, à medida que os anos passam na 2ª metade da vida - caminhada após os "entas"). Criamos uma imagem, que muitas vezes não corresponde à dimensão do amor que se guarda no nosso coração. São os nossos medos... A diferença é que: quem recebeu o amor dos pais, começou a desenvolver essas capas e essas máscaras muito mais tarde. A verdadeira missão de uma família para uma criança ou jovem, é adiar esse desenvolvimento (até deixar a casa dos pais) e permitir um crescimento onde o amor não fique enclausurado por essas capas, mas se manifeste no seu dia a dia! Se uma criança tiver a sorte de chegar à idade adulta sem capas, tem muito maior probabilidade de amar o próximo sem qualquer reserva, sem qualquer capa, sem qualquer máscara!
Tenho trabalhado, desde 2001 com turmas de percurso curricular alternativo, alunos cujo sistema educativo e/ou a sociedade marginalizou, muitos deles por serem "filhos tartaruga". Numa primeira fase, aqueles alunos que são considerados como delinquentes, não são mais do que seres humanos extraordinários, que se foram protegendo ao longo da vida, com capas e máscaras. Precisam muito passar por um processo de Amor, por um lado recebendo o abraço que nunca haviam recebido, por outro vivendo um mundo de limites e sabendo que se ultrapassar esses limites poderão incorrer em sanções. É um processo longo de quebra de capas e de máscaras, guiado por projetos que lhes devolvam a autoconfiança e lhes façam acreditar que existem outros caminhos... Cada jovem torna-se um "bonsai"... Temos de o deixar crescer fazendo escolhas, mas por vezes temos de aparar muitos rebentos, que a nossa experiência de vida nos ensinou a reconhecer como infrutíferos. Quer queiramos quer não, tornamo-nos num modelo e acabamos por modelar com amor, o crescimento daquele jovem. O estatuto do aluno pouco ou nada (n)os ajuda nessa modelação. Trabalho comunitário, suspensão, transferência de escola... uma pescadinha de rabo na boca que apenas os faz desenvolver mais capas e carapaças... Mais vale um bom puxão de orelhas na altura certa... Muitas vezes temos de recorrer às entidades exteriores à Escola. Estas são parceiros essenciais da Escola, quando os responsáveis pelas mesmas, acreditam numa transformação ao encontro do afeto e do amor. Tive muita sorte de ter a ajuda destes parceiros: Escola Segura; Tribunal de Menores; Estabelecimento Prisional; CPCJ, todos foram essenciais para remover capas e máscaras a estes jovens. Uma vez removidas, e estando o coração a descoberto... uma coisa vos garanto... "os filhos tartaruga" são como se fossem nossos filhos, partilhando um amor imenso e ficando para sempre as suas inscrições algures nas aurículas ou nos ventrículos de todos os que os acompanharam. Um grande abraço a todos e um até já!
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