Foto de "São Imagens" |
Nas localidades dos Arcos, Lajido e Cabrito, construíram-se as adegas. As adegas não serviam apenas para a produção de vinho, ou para fermentar os figos para aguardente. Eram pequenas casas de veraneio. Logo a seguir ao São Pedro (final de junho), as pessoas pegavam na sua "tralha" e deixavam as suas casas (mais para interior da Ilha - Freguesia de Santa Luzia) e lá iam passar o verão para as adegas. Os emigrantes e os seus filhos vinham, ano após ano, matar as saudades do seu querido Pico. Os Arcos, que durante o Inverno era um deserto, de repente enchia-se de gente... Era assim ano, após ano! Era e ainda é, hoje, este o local onde passo as minhas férias de Verão, ali mesmo à beirinha do mar. Apesar de viver em território nacional, considero-me um emigrante com uma saudade enorme de sentir o calor das nossas pedrinhas e das nossas gentes.
Até há cerca de 25 anos atrás, vivia-se em verdadeira comunidade. Não havia eletricidade... o espírito de grupo e de equipa iluminava as noites. Não havia água canalizada... o poço de maré e as cisternas ou tanques típicos que aparavam as águas da chuva, saciavam a sede daquela gente. Desde o elemento mais novo ao ansião, todos trabalhavam para proporcionar um Verão inesquecível a todos que por lá passavam. Todos os anos, no primeiro fim de semana de setembro, preparava-se (e ainda hoje se prepara) a Festa dos Arcos, a "festa da costa" em honra de Nossa Senhora Rainha do Mundo. As mulheres e raparigas, nos dias que antecediam a festa, juntavam-se numa grande azáfama a fazer bolos para arrematações e a preparar a quermesse que dava sempre um lucro enorme. Os homens preparavam palco, tasca, enfeitavam as ruas com bandeiras e iluminação (de um gerador emprestado, até mais tarde comprarmos o nosso). Negociavam os melhores preços para a carne das bifanas, bebidas e outros petiscos. Iam aos caranguejos à noite, de "facho" na mão (lata com uma mexa que trabalhava a petróleo e encandeava os caranguejos). Apanhavam lapas de mergulho. Procuravam um bom vinho. Iam à caça. Tudo se preparava para a "melhor festa do mundo"(pelo menos para os habitantes sazonais daquela localidade). Chamarritas ... do mais velho ao mais novo, todos sabiam dançar esta dança tradicional (todos não é bem assim... pois os meus pés de chumbo tornavam-me, provavelmente, o único que não pescava nada daquilo). Eram 3 dias de grande festa, culminando na 2ª Feira seguinte com um Caldo de Peixe para todos da comunidade. Neste dia votava-se em quem ficaria responsável pela organização das festas no ano seguinte. Jamais me esquecerei, quando tinha 19 anos, da comunidade votar no meu nome. O coração pareceu querer pular pela boca. Temia não ter capacidade para o conseguir. Com a ajuda de todos tudo foi muito fácil. Há pessoas (muitos já não estão entre nós) que jamais esquecerei, pela sua entrega ano após ano: meus pais, irmã e avó, meus padrinhos e prima Linda, Sr. Manuel Paulo e Família, Sr. José Ávila e Família, Sr. Barnabé e Família; Tio Francisco do Urbano e Família; o Sr. "Brindeira" e esposa; José Fenando e Família; Sr. Manuel Cardoso e Família; Família e Irmãos Freitas; Manuel Norberto e Família, Sr. António da Rita e Família; Maria da Conceição Fraga e Família... e outros, muitos outros...
Mas... nem tudo se resumia à Festa dos Arcos - a Festa de Nossa Senhora Rainha do Mundo no primeiro fim de semana de Setembro. Cada dia era uma festa... Ao anoitecer, as famílias juntavam-se ao fundo do Caminho dos Arcos, no chamado Largo. De candeeiro Petromax em punho, família a família... lá iam enchendo o Largo. O Largo era um muro semicircular de pedra (que ainda existe), com um banco, onde avós, pais, filhos e netos se reuniam. Os mais novos iam durante a tarde às "vassouras" (um arbusto) que à noite se transformavam numa grande fogueira. As suas minúsculas folhas ao arderem, provocam mil e um estalidos por segundo, conferindo um som característico. Se alguém falasse em chamarritas, depressa a música entoava e todos procuravam seu par para bailar. Como me lembro da minha querida avó Luzia... uma das primeiras a se chegar à frente para bailar... Era uma mulher que irradiava alegria, apesar da vida não lhe ter sido fácil... mas com a chamarrita, aquele sorriso lindo contagiava qualquer um. Lembro-me do Sr. José Ávila e da Sra. Filomena do Januário, o primeiro casal a inaugurar o Largo dia após dia, na companhia do Sr. "Brindeira" e a Sr. Maria "Piquinina". Lembro-me da grande gargalhada da Sra. Telma Freitas, que punha qualquer um bem disposto. Lembro-me de meu tio Francisco do Urbano, com aquele olhar de traquino e que vivia alegre rodeado pelos seus amigos... Lembro-me de minha tia Laura e de meu tio Manuel, que costumavam vir do lado do poço para participar na festa... Lembro-me de todos e de cada um... Guardo-os a todos na minha memória. Guardo-os a todos no meu coração!
Ir ao Largo era um ritual diário... A falta de eletricidade, levou esta comunidade a comprar um grande gerador que deu luz às adegas... Ainda hoje ouço, na minha cabeça, o roncar daquele "Lister" de fabrico britânico. Muitas vezes fiquei responsável por atestá-lo de gasóleo e colocá-lo a trabalhar, no final da tarde e a desligá-lo à meia noite. No início, a minha tenra idade, a falta de jeito e de força, não me davam a capacidade para rodar a manivela do gerador e colocá-lo em funcionamento. Com muita ajuda de meu pai... lá aprendi... Mais tarde, meu pai desenvolveu um sistema para que o gerador se desligasse automaticamente. Assim, não tínhamos que esperar todos os dias por aquela hora...
O tempo foi passando... As pessoas começaram a querer equipar as suas adegas com eletrodomésticos. Queriam muito mais conforto do que uma simples lâmpada. Começaram a surgir os primeiros frigoríficos elétricos (pois a gás já alguns os tinham)... Começaram a surgir algumas televisões... A capacidade do gerador não dava para tanto... O disjuntor do quadro elétrico disparava continuamente... Veio a eletricidade da rede... tudo mudou... O comodismo de ficar em casa a ver televisão substituiu aquele espírito do Largo. Apenas os mais idosos mantinham a tradição... Os jovens preferiam a discoteca... Sinais dos tempos modernos... Muito se perdeu!!! Uma coisa é certa... todos os que viveram os Arcos, antes das modernices... trazem consigo um pedacinho desses momentos, tendo cada um desse pedacinhos, contribuído para transformar seus corações. Hoje resta-nos dizer: Que saudades daquele tempo!!!
Mas... nem tudo se resumia à Festa dos Arcos - a Festa de Nossa Senhora Rainha do Mundo no primeiro fim de semana de Setembro. Cada dia era uma festa... Ao anoitecer, as famílias juntavam-se ao fundo do Caminho dos Arcos, no chamado Largo. De candeeiro Petromax em punho, família a família... lá iam enchendo o Largo. O Largo era um muro semicircular de pedra (que ainda existe), com um banco, onde avós, pais, filhos e netos se reuniam. Os mais novos iam durante a tarde às "vassouras" (um arbusto) que à noite se transformavam numa grande fogueira. As suas minúsculas folhas ao arderem, provocam mil e um estalidos por segundo, conferindo um som característico. Se alguém falasse em chamarritas, depressa a música entoava e todos procuravam seu par para bailar. Como me lembro da minha querida avó Luzia... uma das primeiras a se chegar à frente para bailar... Era uma mulher que irradiava alegria, apesar da vida não lhe ter sido fácil... mas com a chamarrita, aquele sorriso lindo contagiava qualquer um. Lembro-me do Sr. José Ávila e da Sra. Filomena do Januário, o primeiro casal a inaugurar o Largo dia após dia, na companhia do Sr. "Brindeira" e a Sr. Maria "Piquinina". Lembro-me da grande gargalhada da Sra. Telma Freitas, que punha qualquer um bem disposto. Lembro-me de meu tio Francisco do Urbano, com aquele olhar de traquino e que vivia alegre rodeado pelos seus amigos... Lembro-me de minha tia Laura e de meu tio Manuel, que costumavam vir do lado do poço para participar na festa... Lembro-me de todos e de cada um... Guardo-os a todos na minha memória. Guardo-os a todos no meu coração!
A malta da apanha das "vassouras" (para a fogueira). |
Ir ao Largo era um ritual diário... A falta de eletricidade, levou esta comunidade a comprar um grande gerador que deu luz às adegas... Ainda hoje ouço, na minha cabeça, o roncar daquele "Lister" de fabrico britânico. Muitas vezes fiquei responsável por atestá-lo de gasóleo e colocá-lo a trabalhar, no final da tarde e a desligá-lo à meia noite. No início, a minha tenra idade, a falta de jeito e de força, não me davam a capacidade para rodar a manivela do gerador e colocá-lo em funcionamento. Com muita ajuda de meu pai... lá aprendi... Mais tarde, meu pai desenvolveu um sistema para que o gerador se desligasse automaticamente. Assim, não tínhamos que esperar todos os dias por aquela hora...
O tempo foi passando... As pessoas começaram a querer equipar as suas adegas com eletrodomésticos. Queriam muito mais conforto do que uma simples lâmpada. Começaram a surgir os primeiros frigoríficos elétricos (pois a gás já alguns os tinham)... Começaram a surgir algumas televisões... A capacidade do gerador não dava para tanto... O disjuntor do quadro elétrico disparava continuamente... Veio a eletricidade da rede... tudo mudou... O comodismo de ficar em casa a ver televisão substituiu aquele espírito do Largo. Apenas os mais idosos mantinham a tradição... Os jovens preferiam a discoteca... Sinais dos tempos modernos... Muito se perdeu!!! Uma coisa é certa... todos os que viveram os Arcos, antes das modernices... trazem consigo um pedacinho desses momentos, tendo cada um desse pedacinhos, contribuído para transformar seus corações. Hoje resta-nos dizer: Que saudades daquele tempo!!!
Arcos com Eletricidade |
Muito lindo.
ResponderExcluirLindo.
ResponderExcluirOlá Rui, adorei a tua publicação, Obrigado amigo
ResponderExcluirAmigo Vítor, As nossa famílias viveram juntas este tempo. São muitas as recordações. Obrigado por todos os momentos partilhados. Abraço.
ExcluirRui - Those memories still burn in my mind. Arcos was everything opposite of the comforts of California and I loved it. I still dream of those days and it will always be my home away from home.
ResponderExcluir- Victor Freitas
My friend Victor, Great memories I have from 1984 Summer... Remember the stone houses we build up... Remember the night we slept there, over "The Rocha", and left the "fogueira burning", outside our "Casinha". Suddenly, in the middle of the night, our "Casinha" started to burn, from a flame that came from the fire of the "Fogueira". Daniel Cardoso was also sleeping with us, I think he was in another "Casinha"! We spent a great Summer together... Great memories my friend!
ExcluirUma vez mais falando coisas bonitas e tão reais... Sinto saudades da alegria das minhas férias nos Arcos. Obrigada por este momento.
ResponderExcluirPaula Marcos
Amiga Paulinha, É verdade... todos nós temos tantas saudades daquelas férias de Verão. Tudo o que sentimos, a memória que existe no coração, nunca mais esquecerá. Abraço.
ExcluirDear Rui Rosa,
ResponderExcluirMy name is Ioannis Devaris, I am currently doing my masters in architecture and this years project is situated on Pico. My site is the ruin of the old warehouse and one of the distilleries in Arcos. I am proposing a traditional community vineyard. I went to visit the site in October and instantly fell in love with the landscape. I was born in Tenerife, it is also a volcanic landscape. Pico reminded me of my childhood so when I came across your blog I was incredibly moved by it. I loved your story of the festival of “Our Lady Queen of the World” and my design is using your stories to strengthen and bring back the sense of community, tradition and festivity back to Arcos.
I would also really appreciate if you could give me more information on it. Do you have any old photographs you wouldn't mind sharing? Maybe information about the families who lived or are living there and their relationships to one another? Do you have any more detail on the festival of “Our Lady Queen of the World”? Are there any other festivals held in Arcos that have a connection to the local agriculture? How where the buildings used?
I would really enjoy finding out more from you and would love to have your comments on my project which will be finished in 3 weeks and I can then send some images to you.
Thank you for writing such a beautiful blog that really gives a sense of the place and love.
I look forward to hearing from you,
Ioannis Devaris
Caro Rui Rosa,
Meu nome é Ioannis Devaris, Atualmente, estou fazendo meu mestrado em arquitetura e esse projeto anos está situado no Pico. Meu site é a ruína do antigo armazém e uma das destilarias em Arcos. Estou propondo uma vinha comunidade tradicional. Fui visitar o site em outubro e imediatamente se apaixonou com a paisagem. Nasci em Tenerife, é também uma paisagem vulcânica. Pico me fez lembrar da minha infância por isso, quando me deparei com seu blog eu estava incrivelmente movido por ela. Eu amei a sua história do festival de "Nossa Senhora Rainha do Mundo" e meu projeto está usando suas histórias para fortalecer e trazer de volta o sentido de comunidade, tradição e festividade de volta para Arcos.
Também gostaria de realmente aprecio se você poderia me dar mais informações sobre ele. Você tem fotos antigas que você não se importaria de partilha? Talvez informações sobre as famílias que viveram ou estão vivendo lá e suas relações com o outro? Você tem alguma mais detalhes sobre o festival de "Nossa Senhora Rainha do Mundo"? Existem outros festivais realizados em Arcos que têm uma conexão com a agricultura local? Como, onde os edifícios utilizados?
Eu realmente gosto de saber mais de você e gostaríamos de ter seus comentários sobre o meu projeto, que será concluída em 3 semanas e eu então posso enviar algumas imagens para você.
Obrigado por escrever um blog lindo de tal forma que realmente dá uma sensação do lugar e do amor.
Estou ansioso para ouvir de você,
Ioannis Devaris