A infância é o alicerce de uma vida. O Rui que sou hoje, devo-o a todos os que me acompanharam e os que acompanhei nesta minha caminhada terrena. Cada pedacinho de mim tem inscrito mil e uma ações de pessoas próximas. Não tenho a certeza se fica inscrito e codificado geneticamente, mas lá que nos condiciona o ser que nos tornamos, disso não tenho qualquer dúvida.
Hoje dei por mim a pensar em muitos momentos da minha infância. Em primeiro lugar lembro-me da minha grande companheira de viagem, da minha querida irmã que muita paciência teve para aturar o "big brother". Desde muito pequenina, o interesse pela anatomia dos animais era evidente. Adorava ver quando abriam o porco, naquelas "matanças" de porco familiares... Chegou a dissecar lagartos para perceber como funcionavam as suas entranhas e comparar anatomicamente com as do porco. Muitas perguntas fazia aos nossos pais, algumas que me deixavam embaraçado quando estava presente . Deixo apenas uma: com uns 3 ou 4 anitos, ao ver o nascimento de um pequeno bezerro, dizia a meu pai: "Aaaahhh, agora já percebi como saem, ainda não percebi foi como entram". Lá meu pai explicou-lhe, recorrendo a uma analogia à reprodução da laranjeira... Muito convincente e cientificamente correto!!! Talvez, por todas as vivências, hoje é uma excelente cirurgiã.
Da nossa infância, guardo mil e uma memórias que me bombardeiam a mente como os flashes das câmeras fotográficas num grande jogo de um estádio de futebol! Dessas memórias fazem parte a minha querida prima Linda e 3 irmãos vizinhos: o António Fernando, a Telma e a Delfina. Brincámos tanto juntos... Ora no Alto da Cruz, ora junto ao Caminho da Cruz, lá passávamos os nossos dias, ou aquelas tardes depois de um dia de Escola. Hoje enquanto vasculhava fotos antigas, foi uma alegria imensa viajar uns trinta e tal anos atrás e voltar a reviver as emoções incríveis das nossas brincadeiras. Antes de brincar, tínhamos de ordenhar as cabras e outras tarefas domésticas que executávamos colaborativamente... Depois tudo era possível, desde viver num grande palácio, ser um cowboy pistoleiro, ou conduzir um Ferrari ou um Camião. Do nosso grupo faziam parte ainda 3 outros vizinhos: o Vítor Fraga, o Daniel Cardoso e o Marco César (o mais maluco de todos).
Quem não se lembra das nossas fogueiras de São João? Lá íamos todos apanhar "vassouras" (urze) e galhos de loureiro para alimentar a grande fogueira. Fazíamos a nossa macaca de palha para atar sobre a fogueira. Colecionávamos latas de spray vazias para colocar ao lume e provocar grandes explosões (o nosso fogo de artifício). Preparávamos as pinhas para os "gori-goris", uma espécie de tocha, com um pau biforcado e com uma pinha entalada a arder. Corríamos como loucos pela estrada fora a dizer "Gori-gori" (não conheço a origem do nome, mas os nossos antepassados já o faziam), até que aquela pinha deixasse de arder!!! Que rico São João!!!
E as nossa casinhas de pedra... Eram, para nós, como palácios ou fortalezas, muitos delas recuperadas dos tempos dos nossos pais. E aquela casinha no cimo do pinheiro??? Terá sido essa a nossa última fortaleza???
E a loucura dos carrinhos de madeira?!!! Tantos ferimentos que nos provocaram! A minha irmã ainda hoje guarda cicatrizes físicas enormes de um dos acidentes. Meu pai construira-nos um carrinho que levava cinco de nós. Lá empurrávamos o carro até ao cimo do Caminho da Cruz (embagaçado - terra batida) e deixávamos que a força da gravidade fizesse o resto. Atingíamos velocidades loucas! Tínhamos que colocar sebo nos encaixes dos eixos de madeira, pois se não o fizéssemos, a fricção das madeiras incendiava o carro, tal era a velocidade. Recordo-me de um dia que decidimos descer o Caminho do Cabrito. O arranque era sempre dado pelo último a se sentar nos Carro... O Marco César lá empurrou o carro até este ganhar velocidade. Quando saltou para cima do carro, o seu pé direito passou por baixo do eixo e aos poucos conseguiu travar o carro. Muito gritava!!! Estava de chinelos de enfiar o dedo (tipo havaianas). Perdera duas ou três unhas e tinha o pé todo desfeito!! Convencemos o rapaz que aquilo era normal e que um Homem nunca chora! Temíamos levar um ralhete!!! Não sei como ele curou aquele pé, sem mais ninguém ter falado do assunto! Amigo Marco César, peço-te perdão por esta e muitas outras!!! E aquela que te fechámos num baú no quintal e só nos lembrámos umas horas mais tarde!!!
Lembram-se de quando andávamos armados em exploradores de grutas??? Começámos a explorar aquela furna lá atrás de minha casa!!! A rastejar lá a íamos descobrindo!!! Lembram-se daquela sala natural que descobrimos e tínhamos de rastejar até lá chegar, uns bons metros, por túneis estreitos? Lembram-se daquela ideia de jericos, de irmos fazer um churrasco lá para dentro. Lá arrastámos a lenha e tudo para um grande banquete subterrâneo!!! Não fosse um anjo da guarda, tería sido o nosso último almoço (não chegámos a almoçar)!!! Com uma dezena de anos, e não tendo consciência dos perigos que corríamos, lá acendemos a fogueira para o churrasco. Aquela câmara encheu-se de fumo e com a falta de ar, precipitámo-nos para o tubo que nos levaria até ao exterior. Queríamos sair todos ao mesmo tempo, sem ver um boi à frente, e a tossir fumo como loucos... Tivemos a inteligência para nos organizarmos e sairmos ordeiramente até à saída da gruta. Nossos pais de nada souberam... Quantos e quantos segredos guardamos!!! Não os queríamos desiludir, preocupar... e acima de tudo não levar ralhetes!!!
Mas... motivos para ralhetes não faltavam. O risco de muitas das nossas brincadeiras inconscientes era uma constante!!! António Fernando, lembras-te do dia que fizemos uma aposta para ver quem era o primeiro a atirar uma pedra que passasse por debaixo de um dos carros que circulavam na estrada? Escondidos por detrás de um muro, decidimos que serias o primeiro. Lá na curva, de quem vem de Sant'Ana para cá, um Ford Escort antigo, côr azul bebé, se aproximava. Pegaste num calhau do muro e experimentaste a tua sorte!!! Que grande "mocada" na porta do carro!!! Fugimos com todas as nossas forças e escondemo-nos no mato do meu quintal. Ouvimos o homem (não digo quem é senão ainda me vem cobrar a porta, passados 30 e tal anos) "passado" com meu pai!!! Meu pai nas suas calmas, lá o conseguiu acalmar! Longe de imaginar que tínhamos sido nós os autores de tal proeza!!!
E aquelas grandes matanças de porco em vossa casa!!! Penso que eram das maiores por aquelas bandas, a começar pelos dois grandes porcos que teus pais criavam!!! Esperávamos por retirarem a bexiga de cada um dos porcos, enchíamos e lá fazíamos os nosso jogos da bola na estrada. Duas pedras em cada lado e o grande jogo lá começava. Era incrível o pouco número de carros que passavam. Muito raramente tínhamos de levantar as pedras e interromper o jogo, porque um carro se aproximava... Com o passar dos anos tornava-se cada vez mais difícil jogar futebol na estrada... Hoje seria impossível, pelo volume de tráfego automóvel!
Todos os anos, por altura da "matança" de porco, lá íamos "fanar" umas tangerinas e laranjas. Não sei porquê, mas eram sempre mais deliciosas do que as dos nossos pais!!! O dono dizia que lá tinha colocado veneno, mas, que eu saiba, nenhum de nós morreu até hoje por saborear aquele fruto proibido.
E o nosso "brinquinho" de Natal! Lá corríamos as casas a cantar quadras que a minha Mãe tinha criado, especialmente para nós!!! Ou o nosso Pão por Deus, com um carrinho de mão de madeira, corríamos todas as casas... "Maçaroca cozida, maçaroca assada, Espeta no cu daquele que não dá nada!" era o que dizíamos aos avarentos que nada davam. Uma moedinha, um doce, nozes e castanhas sabiam sempre bem... As batatas é que pesavam mais, mas nada que o carrinho de mão não levasse...
E o nosso "brinquinho" de Natal! Lá corríamos as casas a cantar quadras que a minha Mãe tinha criado, especialmente para nós!!! Ou o nosso Pão por Deus, com um carrinho de mão de madeira, corríamos todas as casas... "Maçaroca cozida, maçaroca assada, Espeta no cu daquele que não dá nada!" era o que dizíamos aos avarentos que nada davam. Uma moedinha, um doce, nozes e castanhas sabiam sempre bem... As batatas é que pesavam mais, mas nada que o carrinho de mão não levasse...
E aqueles serões na vossa atafona, a desfolhar milho... Passávamos mais tempo deitados nas cascas secas, do que a desfolhar...
Meus amigos, poderia estar aqui toda a noite a abrir caixinhas da memória, mas não é minha intenção. Apenas vos quero agradecer por cada um dos mil e um pedacinhos de tempo que partilhámos na nossa infância. Quero vos agradecer por me ajudarem a crescer a a ser quem sou! Obrigado e um grande abraço a todos e às vossa famílias!
É impossível ler isto sem as lágrimas virem aos olhos. Tenho comigo essa foto da fogueira, oferecida pela tua irmã e que guardo com muito carinho. Com estas palavras lindas transportaste-me para a nossa infância e para esses belos momentos que vivemos, em que tudo era inocência. Lembro-me bem da história do pé do Marco César, da pedra que enviaram para o carro em movimento, mas não sabia das aventuras na gruta. Eram coisas de rapazes, que não contavam às vossas irmãs mais novas! Obrigado por estas belas recordações... Gostei muito!
ResponderExcluirAbraço, amiga!
ExcluirAdorei ler, mas ao mesmo tempo arrepiava-me com a vossas loucuras, rapazes não medem o perigo!!! Mas isso para um coração de mãe, assusta, mas sim tiveste uma linda infância e com as tuas recordações consegues fazer esses tempos "come to life".
ResponderExcluirRui, muito obrigado!! fizeste-me voltar atrás no tempo e não podias ter feito melhor descrição... à medida que ia lendo imaginava exatamente aqueles tempos...e tão bons que eram.... tantos foram os finais de tarde passados convosco... :) "Mãe, eu e a Telma podemos ir brincar para casa da sra Mª Elvira?" :) tantas foram as vezes que esta pergunta foi feita!! mais uma vez... um muito obrigado!! Já agora, Madalena, lembraste das nossas "filhoses"?!? ("nêsperas" provavelmente dão-te uma ajudinha à memória!! :) mas tenho a certeza que te lembras tão bem como eu.... Tudo era pretexto para uma tarde de brincadeira! obrigado pela vossa Amizade!!
ResponderExcluirDelfina, um abraço com muita amizade e saudade!
ExcluirFilhoses fantásticas, envoltas em açúcar... Jamais me esquecerei! As estátuas... Os colares de flores... Enfim, uma infância repleta de descobertas, invenções, divertimento e acima de tudo amizade!
ExcluirO teu Blog está muito bom, comecei a lê-lo desde o princípio e não consigo parar de ler...
ResponderExcluirAmigo Daniel, são apenas pedacinhos da nossa infância que partilhei... cada um dos nossos corações jamais os esquecerão!!! Obrigado por tudo! Abraço.
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