quarta-feira, 27 de março de 2013

Estou Motivado

       Gosto de olhar a vida em todas as suas vertentes. Procuro ter olhos para ver todas as maravilhas e milagres que ela nos proporciona, tal como procuro ter olhos para encarar as dificuldades de frente, nunca temendo "pegar o touro pelos cornos" se for necessário. O sabor de ultrapassar um problema da vida, por mais difícil que seja, dá-me muitas vezes alento e faz-me acreditar que apesar de difícil a caminhada, o céu está sempre muito próximo de nós. Nunca será possível ultrapassarmos um obstáculo, se não o quisermos ver... a não ser que haja um rasgo de sorte... Contudo, infelizmente, na vida não podemos contar apenas com ela, pois pelo menos 90% da probabilidade de ultrapassarmos um problema, depende do nosso esforço, carolice, preserverança e muito trabalho.
        Hoje vou tentar ser um gajo porreiro, com a mania que é otimista, daqueles que todos parecem gostar de ouvir falar, por fingir que encaram a vida como um mar de facilidades, sem obstáculos, sem problemas... Diria mesmo, se me candidatasse a 1º Ministro, com toda a hipocrisia que tentarei personificar de seguida, tornar-me-ia num herói com maioria absoluta!
          Tal como o povo português, sou um gajo motivado.
        - Sou um gajo motivado, pelos excelentes progressos que o País fez após o memorando de entendimento com a Troika! Dizia hoje (ou ontem, não sei precisar), o nosso Ministro das Finanças, que o governo havia cumprido e aplicado, com eficácia, 91% das medidas do programa do seu programa... Fiquei tão feliz com estas palavras e com este número. É um verdadeiro sucesso para todos nós e que nos deixa motivadíssimos, pois se 91% do programa foi cumprido e o país está à beira da morte... só pode querer dizer que eram medidas assassinas. É tão bom morrer nesta Pátria!!!;
      - Sou um gajo motivado, pois desde 2005, o meu agregado familiar perdeu 24% do seu rendimento!!!  É certo que é um belo sacrifício, direi mesmo um sacrifício com tons de orgasmo, pois estamos a contribuir para alimentar um dragão de sete cabeças insaciado, que continua a crescer desmesuradamente. Afinal é ele que nos governa... penso que o deveríamos aclamar como o nosso Deus... Esta coisa de ganhar menos 1/4 do rendimento familiar, dá-nos um alento do caraças, a cada dia em que saímos de casa, pois como diz o Dr.(ou qualquer coisa do género) Relvas: "Vamos produzir muito mais com muito menos"! Consideraria mesmo este senhor, um grande Mártir da Pátria, como um fazedor de milagres, pois após ter ajudado a retirar o pão diário de muitas famílias, quer impor a estas, o milagre da "Multiplicação dos Pães";
        - Estou motivadíssimo, porque hoje à noite, no horário nobre da RTP, virá mais um messias falar. Penso que se chama Sócrates, pois como portuguesinho que sou, tendo a esquecer os nomes e  as cagadas que os nossos políticos fazem!!! Estou tão feliz, por saber que voltaremos, em breve, a ser desgovernados, por este Deus que esteve a crescer e a ganhar forças. Agora falará de mansinho e convencerá mais alguns dos seus subditos tresmalhados, de que ele será a luz!!!
        - Estou motivado porque os portugueses elegeram um governo que jurou respeitar e defender a Constituição Portuguesa e de repente criou uma série de medidas governativas que a violam claramente, ficando à espera e pressionando para que o Tribunal Constitucional feche os olhos!!! Depois dizem não ter Plano B, pois como líderes não têm inteligência suficiente para tal! Estou motivadíssimo porque nos aproximamos do 2º Resgate (há muito que aguardo esse anúncio) e a demissão de um governo (mais um que vira as costas ao país depois de o destroçar)!!! Estou motivado porque depois de tanto esforço e de tão poucas migalhas ter para dar ao dragão, a vida de todos os portugueses (os comuns) piorou, enquanto o dragão engordou!
        - Estou motivadíssio porque na Assembleia da República, estão 200 e tal deputados a lutar pelos nossos interesses... Coitadinhos, eles precisam mesmo de comer muito, à grande e à francesa, para terem energias para nos proporcionar ótimas condições de vida;
        - Estou motivado por ver muitos dos meus alunos com ambos os pais desempregados, com poucas energias para amar e sonhar... Estou motivado por sentir e ver que aos poucos estamos a morrer por uma boa causa... a causa do dragão de sete cabeças!
        - Estou motivado por muitas outras razões... É este o estado de espírito que o nosso governo nos impõe... Resta-me agradecer ao grande dragão de sete cabeças, e a todos os governantes que nas últimas décadas me levaram a ter este prazer do caraças!!! Obrigado!!!

segunda-feira, 25 de março de 2013

A Infância de Sempre

       A infância é o alicerce de uma vida. O Rui que sou hoje, devo-o a todos os que me acompanharam e os que acompanhei nesta minha caminhada terrena. Cada pedacinho de mim tem inscrito mil e uma ações de pessoas próximas. Não tenho a certeza se fica inscrito e codificado geneticamente, mas lá que nos condiciona o ser que nos tornamos, disso não tenho qualquer dúvida.
        Hoje dei por mim a pensar em muitos momentos da minha infância. Em primeiro lugar lembro-me da minha grande companheira de viagem, da minha querida irmã que muita paciência teve para aturar o "big brother". Desde muito pequenina, o interesse pela anatomia dos animais era evidente. Adorava ver quando abriam o porco, naquelas "matanças" de porco familiares... Chegou a dissecar lagartos para perceber como funcionavam as suas entranhas e comparar anatomicamente com as do porco. Muitas perguntas fazia aos nossos pais, algumas que me deixavam embaraçado quando estava presente . Deixo apenas uma: com uns 3 ou 4 anitos, ao ver o nascimento de um pequeno bezerro, dizia a meu pai: "Aaaahhh, agora já percebi como saem, ainda não percebi foi como entram". Lá meu pai explicou-lhe, recorrendo a uma analogia à reprodução da laranjeira... Muito convincente e cientificamente correto!!! Talvez, por todas as vivências, hoje é uma excelente cirurgiã.
        Da nossa infância, guardo mil e uma memórias que me bombardeiam a mente como os flashes das câmeras fotográficas num grande jogo de um estádio de futebol! Dessas memórias fazem parte a minha querida prima Linda e 3 irmãos vizinhos: o António Fernando, a Telma e a Delfina. Brincámos tanto juntos... Ora no Alto da Cruz, ora junto ao Caminho da Cruz, lá passávamos os nossos dias, ou aquelas tardes depois de um dia de Escola. Hoje enquanto vasculhava fotos antigas, foi uma alegria imensa viajar uns trinta e tal anos atrás e voltar a reviver as emoções incríveis das nossas brincadeiras. Antes de brincar, tínhamos de ordenhar as cabras e outras tarefas domésticas que executávamos colaborativamente... Depois tudo era possível, desde viver num grande palácio, ser um cowboy pistoleiro, ou conduzir um Ferrari ou um Camião. Do nosso grupo faziam parte ainda 3 outros vizinhos: o Vítor Fraga, o Daniel Cardoso e o Marco César (o mais maluco de todos).
       Quem não se lembra das nossas fogueiras de São João? Lá íamos todos apanhar "vassouras" (urze) e galhos de loureiro para alimentar a grande fogueira. Fazíamos a nossa macaca de palha para atar sobre a fogueira. Colecionávamos latas de spray vazias para colocar ao lume e provocar grandes explosões (o nosso fogo de artifício). Preparávamos as pinhas para os "gori-goris", uma espécie de tocha, com um pau biforcado e com uma pinha entalada a arder. Corríamos como loucos pela estrada fora a dizer "Gori-gori" (não conheço a origem do nome, mas os nossos antepassados já o faziam), até que aquela pinha deixasse de arder!!! Que rico São João!!!
        E as nossa casinhas de pedra... Eram, para nós, como palácios ou fortalezas, muitos delas recuperadas dos tempos dos nossos pais. E aquela casinha no cimo do pinheiro??? Terá sido essa a nossa última fortaleza???
       E a loucura dos carrinhos de madeira?!!! Tantos ferimentos que nos provocaram! A minha irmã ainda hoje guarda cicatrizes físicas enormes de um dos acidentes. Meu pai construira-nos um carrinho que levava cinco de nós. Lá empurrávamos o carro até ao cimo do Caminho da Cruz (embagaçado - terra batida) e deixávamos que a força da gravidade fizesse o resto. Atingíamos velocidades loucas! Tínhamos que colocar sebo nos encaixes dos eixos de madeira, pois se não o fizéssemos, a fricção das madeiras incendiava o carro, tal era a velocidade. Recordo-me de um dia que decidimos descer o Caminho do Cabrito. O arranque era sempre dado pelo último a se sentar nos Carro... O Marco César lá empurrou o carro até este ganhar velocidade. Quando saltou para cima do carro, o seu pé direito passou por baixo do eixo e aos poucos conseguiu travar o carro. Muito gritava!!! Estava de chinelos de enfiar o dedo (tipo havaianas). Perdera duas ou três unhas e tinha o pé todo desfeito!! Convencemos o rapaz que aquilo era normal e que um Homem nunca chora! Temíamos levar um ralhete!!! Não sei como ele curou aquele pé, sem mais ninguém ter falado do assunto! Amigo Marco César, peço-te perdão por esta e muitas outras!!! E aquela que te fechámos num baú no quintal e só nos lembrámos umas horas mais tarde!!!
         Lembram-se de quando andávamos armados em exploradores de grutas??? Começámos a explorar aquela furna lá atrás de minha casa!!! A rastejar lá a íamos descobrindo!!! Lembram-se daquela sala natural que descobrimos e tínhamos de rastejar até lá chegar, uns bons metros, por túneis estreitos? Lembram-se daquela ideia de jericos, de irmos fazer um churrasco lá para dentro. Lá arrastámos a lenha e tudo para um grande banquete subterrâneo!!! Não fosse um anjo da guarda, tería sido o nosso último almoço (não chegámos a almoçar)!!! Com uma dezena de anos, e não tendo consciência dos perigos que corríamos, lá acendemos a fogueira para o churrasco. Aquela câmara encheu-se de fumo e com a falta de ar, precipitámo-nos para o tubo que nos levaria até ao exterior. Queríamos sair todos ao mesmo tempo, sem ver um boi à frente, e a tossir fumo como loucos... Tivemos a inteligência para nos organizarmos e sairmos ordeiramente até à saída da gruta. Nossos pais de nada souberam... Quantos e quantos segredos guardamos!!! Não os queríamos desiludir, preocupar... e acima de tudo não levar ralhetes!!!
        Mas... motivos para ralhetes não faltavam. O risco de muitas das nossas brincadeiras inconscientes era uma constante!!! António Fernando, lembras-te do dia que fizemos uma aposta para ver quem era o primeiro a atirar uma pedra que passasse por debaixo de um dos carros que circulavam na estrada? Escondidos por detrás de um muro, decidimos que serias o primeiro. Lá na curva, de quem vem de Sant'Ana para cá, um Ford Escort antigo, côr azul bebé, se aproximava. Pegaste num calhau do muro e experimentaste a tua sorte!!! Que grande "mocada" na porta do carro!!! Fugimos com todas as nossas forças e escondemo-nos no mato do meu quintal. Ouvimos o homem (não digo quem  é senão ainda me vem cobrar a porta, passados 30 e tal anos) "passado" com meu pai!!! Meu pai nas suas calmas, lá o conseguiu acalmar! Longe de imaginar que tínhamos sido nós os autores de tal proeza!!!
       E aquelas grandes matanças de porco em vossa casa!!! Penso que eram das maiores por aquelas bandas, a começar pelos dois grandes porcos que teus pais criavam!!! Esperávamos por retirarem a bexiga de cada um dos porcos, enchíamos e lá fazíamos os nosso jogos da bola na estrada. Duas pedras em cada lado e o grande jogo lá começava. Era incrível o pouco número de carros que passavam. Muito raramente tínhamos de levantar as pedras e interromper o jogo, porque um carro se aproximava... Com o passar dos anos tornava-se cada vez mais difícil jogar futebol na estrada... Hoje seria impossível, pelo volume de tráfego automóvel!
        Todos os anos, por altura da "matança" de porco, lá íamos "fanar" umas tangerinas e laranjas. Não sei porquê, mas eram sempre mais deliciosas do que as dos nossos pais!!! O dono dizia que lá tinha colocado veneno, mas, que eu saiba, nenhum de nós morreu até hoje por saborear aquele fruto proibido.
         E o nosso "brinquinho" de Natal! Lá corríamos as casas a cantar quadras que a minha Mãe tinha criado, especialmente para nós!!! Ou o nosso Pão por Deus, com um carrinho de mão de madeira, corríamos todas as casas... "Maçaroca cozida, maçaroca assada, Espeta no cu daquele que não dá nada!" era o que dizíamos aos avarentos que nada davam. Uma moedinha, um doce, nozes e castanhas sabiam sempre bem... As batatas é que pesavam mais, mas nada que o carrinho de mão não levasse...
        E aqueles serões na vossa atafona, a desfolhar milho... Passávamos mais tempo deitados nas cascas secas, do que a desfolhar... 
       Meus amigos, poderia estar aqui toda a noite a abrir caixinhas da memória, mas não é minha intenção. Apenas vos quero agradecer por cada um dos mil e um pedacinhos de tempo que partilhámos na nossa infância. Quero vos agradecer por me ajudarem a crescer a a ser quem sou! Obrigado e um grande abraço a todos e às vossa famílias!


terça-feira, 12 de março de 2013

Arcos... Viver em Comunidade

Foto de "São Imagens"
        Arcos, uma das três pequenas localidades de veraneio da freguesia de Santa Luzia, Ilha do Pico - Açores, inserida na Paisagem da Vinha que é Património Mundial da Unesco. Introduzida pelos frades franciscanos, a vinha foi uma forma de subsistência das populações das freguesias da costa noroeste da Ilha. Essa herança subsistiu durante anos e hoje ainda resiste em meia dúzia de "canadas" que alguns ainda teimam em trabalhar. A vinha era plantada no meio do basalto, em bocadinhos de solo. O calor absorvido por esta rocha, confere às uvas um excelente grau. O vinho correu mundo, chegando a ser servido à mesa dos Czares da Rússia. Para abrigar as plantas da vinha da maresia, em cada vinhedo, foram construídos ao longo de séculos, muros paralelos (as "canadas"), que por sua vez eram divididos em currais/tapadas. Estes muros formavam um rendilhado, ao longo de toda a faixa costeira, com milhares de quilómetros de muros... Hoje, grande parte desse rendilhado, jaz debaixo de uma vegetação verdejante de faias, urze ("vassouras") e incenso, que ocuparam essas vinhas devido ao abandono, por não serem rentáveis.
        Nas localidades dos Arcos, Lajido e Cabrito, construíram-se as adegas. As adegas não serviam apenas para a produção de vinho, ou para fermentar os figos para aguardente. Eram pequenas casas de veraneio. Logo a seguir ao São Pedro (final de junho), as pessoas pegavam na sua "tralha" e deixavam as suas casas (mais para interior da Ilha - Freguesia de Santa Luzia) e lá iam passar o verão para as adegas. Os emigrantes e os seus filhos vinham, ano após ano, matar as saudades do seu querido Pico. Os Arcos, que durante o Inverno era um deserto, de repente enchia-se de gente... Era assim ano, após ano! Era e ainda é, hoje, este o local onde passo as minhas férias de Verão, ali mesmo à beirinha do mar. Apesar de viver em território nacional, considero-me um emigrante com uma saudade enorme de sentir o calor das nossas pedrinhas e das nossas gentes.
        Até há cerca de 25 anos atrás, vivia-se em verdadeira comunidade. Não havia eletricidade... o espírito de grupo e de equipa iluminava as noites. Não havia água canalizada... o poço de maré e as cisternas ou tanques típicos que aparavam as águas da chuva, saciavam a sede daquela gente. Desde o elemento mais novo ao ansião, todos trabalhavam para proporcionar um Verão inesquecível a todos que por lá passavam. Todos os anos, no primeiro fim de semana de setembro, preparava-se (e ainda hoje se prepara) a Festa dos Arcos, a "festa da costa" em honra de Nossa Senhora Rainha do Mundo. As mulheres e raparigas, nos dias que antecediam a festa, juntavam-se numa grande azáfama a fazer bolos para arrematações e a preparar a quermesse que dava sempre um lucro enorme. Os homens preparavam palco, tasca, enfeitavam as ruas com bandeiras e iluminação (de um gerador emprestado, até mais tarde comprarmos o nosso). Negociavam os melhores preços para a carne das bifanas, bebidas e outros petiscos. Iam aos caranguejos à noite, de "facho" na mão (lata com uma mexa que trabalhava a petróleo e encandeava os caranguejos). Apanhavam lapas de mergulho. Procuravam um bom vinho. Iam à caça. Tudo se preparava para a "melhor festa do mundo"(pelo menos para os habitantes sazonais daquela localidade). Chamarritas ... do mais velho ao mais novo, todos sabiam dançar esta dança tradicional (todos não é bem assim... pois os meus pés de chumbo tornavam-me, provavelmente, o único que não pescava nada daquilo). Eram 3 dias de grande festa, culminando na 2ª Feira seguinte com um Caldo de Peixe para todos da comunidade. Neste dia votava-se em quem ficaria responsável pela organização das festas no ano seguinte. Jamais me esquecerei, quando tinha 19 anos, da comunidade votar no meu nome. O coração pareceu querer pular pela boca. Temia não ter capacidade para o conseguir. Com a ajuda de todos tudo foi muito fácil. Há pessoas (muitos já não estão entre nós) que jamais esquecerei, pela sua entrega ano após ano: meus pais, irmã e avó, meus padrinhos e prima Linda, Sr. Manuel Paulo e Família, Sr. José Ávila e Família, Sr. Barnabé e Família; Tio Francisco do Urbano e Família; o Sr. "Brindeira" e esposa;  José Fenando e Família; Sr. Manuel Cardoso e Família; Família e Irmãos Freitas; Manuel Norberto e Família, Sr. António da Rita e Família; Maria da Conceição Fraga e Família... e outros, muitos outros...
        Mas... nem tudo se resumia à Festa dos Arcos - a Festa de Nossa Senhora Rainha do Mundo no primeiro fim de semana de Setembro. Cada dia era uma festa... Ao anoitecer, as famílias juntavam-se ao fundo do Caminho dos Arcos, no chamado Largo. De candeeiro Petromax em punho, família a família... lá iam enchendo o Largo. O Largo era um muro semicircular de pedra (que ainda existe), com um banco, onde avós, pais, filhos e netos se reuniam. Os mais novos iam durante a tarde às "vassouras" (um arbusto) que à noite se transformavam numa grande fogueira. As suas minúsculas folhas ao arderem, provocam mil e um estalidos por segundo, conferindo um som característico. Se alguém falasse em chamarritas, depressa a música entoava e todos procuravam seu par para bailar. Como me lembro da minha querida avó Luzia... uma das primeiras a se chegar à frente para bailar... Era uma mulher que irradiava alegria, apesar da vida não lhe ter sido fácil... mas com a chamarrita, aquele sorriso lindo contagiava qualquer um. Lembro-me do Sr. José Ávila e da Sra. Filomena do Januário, o primeiro casal a inaugurar o Largo dia após dia, na companhia do Sr. "Brindeira" e a Sr. Maria "Piquinina". Lembro-me da grande gargalhada da Sra. Telma Freitas, que punha qualquer um bem disposto. Lembro-me de meu tio Francisco do Urbano, com aquele olhar de traquino e que vivia alegre rodeado pelos seus amigos... Lembro-me de minha tia Laura e de meu tio Manuel, que costumavam vir do lado do poço para participar na festa... Lembro-me de todos e de cada um... Guardo-os a todos na minha memória. Guardo-os a todos no meu coração!
A malta da apanha das "vassouras" (para a fogueira).

        Ir ao Largo era um ritual diário... A falta de eletricidade, levou esta comunidade a comprar um grande gerador que deu luz às adegas... Ainda hoje ouço, na minha cabeça, o roncar daquele "Lister" de fabrico britânico. Muitas vezes fiquei responsável por atestá-lo de gasóleo e  colocá-lo a trabalhar, no final da tarde e a desligá-lo à meia noite. No início, a minha tenra idade, a falta de jeito e de força, não me davam a capacidade para rodar a manivela do gerador e colocá-lo em funcionamento. Com muita ajuda de meu pai... lá aprendi... Mais tarde, meu pai desenvolveu um sistema para que o gerador se desligasse automaticamente. Assim, não tínhamos que esperar todos os dias por aquela hora...
        O tempo foi passando... As pessoas começaram a querer equipar as suas adegas com eletrodomésticos. Queriam muito mais conforto do que uma simples lâmpada. Começaram a surgir os primeiros frigoríficos elétricos (pois a gás já alguns os tinham)... Começaram a surgir algumas televisões... A capacidade do gerador não dava para tanto... O disjuntor do quadro elétrico disparava continuamente... Veio a eletricidade da rede... tudo mudou... O comodismo de ficar em casa a ver televisão substituiu aquele espírito do Largo. Apenas os mais idosos mantinham a tradição... Os jovens preferiam a discoteca... Sinais dos tempos modernos... Muito se perdeu!!!  Uma coisa é certa... todos os que viveram os Arcos, antes das modernices... trazem consigo um pedacinho desses momentos, tendo cada um desse pedacinhos, contribuído para transformar seus corações. Hoje resta-nos dizer: Que saudades daquele tempo!!!
Arcos com Eletricidade

sexta-feira, 8 de março de 2013

"Nós" Humanos...

        Naquela noite, não adormeci... O tempo parou... O breu instalou-se e o Sol ficou imóvel do outro lado do Mundo. Sentia-me magoado, traído na confiança talvez. Sentia-me muito triste... Um laço de amizade parecia querer desapertar-se. Do outro lado um ser extraordinário, um amigo, um ser humano como eu! Porquê? Será que não confia em mim? O que fiz eu para deixarem de confiar em mim? Mil e uma perguntas... mil e um minutos parados no tempo. Tinha consciência que o nó do laço não é daqueles nós que o tempo consolidou, que ficam tão entranhados e são impossíveis de se conseguir separar. Só tinha uma certeza... era um nó que eu não queria ver desapertado! Aquele nó fazia parte de mim. Aquele nó era para mim tão importante como todos os outros nós! Algo não batia certo! Tinha duas hipóteses: resguardar-me no silêncio e esperar que o tempo fizesse um "delete" ou correr no dia seguinte e dizer tudo o que me ia na alma! Muitas vezes, na vida, o silêncio pode ser um ruído ensurdecedor para uma amizade ou para qualquer outra relação!  Grande parte das vezes, opto por esquecer e não valorizar. Desta vez não resisti a esse ruído. O Sol desprendera-se do outro lado do mundo e nascera, mas o breu continuou até eu desabafar com o meu amigo o que me ia na alma! Sentia-me leve... da conversa apercebera-me que nunca tinha havido intenção de falta de confiança. Eram apenas ações sem sentido para mim e com sentido para o meu amigo. Da minha conversa, resultou algo que eu temia: da mesma forma que não compreendera uma ação de um amigo, esse amigo não compreendesse a minha ação e a minha conversa daquele dia. Poucos dias depois, apercebi-me que o Sol acabara de se prender do outro lado do Mundo, desta vez, para o meu amigo. Acabara de lhe passar o meu sofrimento.
        Somos sempre tão diferentes uns dos outros! Apesar de termos todos dois olhos, a visão de cada um de nós é sempre um olhar diferente! Quem somos... O que os sentidos nos deram e dão... Onde estamos... De onde viemos... Como agimos... Para onde caminhamos... Muitas vezes esquecemos que temos vivências muito diferentes...  Por exemplo, o que sentimos quando vemos o Mar?  Existem mil e um olhares, mil e um sentimentos... A mesma pessoa pode ter mil e uma maneiras de ver o Mar, dependendo de como o vê, quando o vê e como o vê. Se olho o Mar do topo da Montanha do Pico, sinto-me como uma gaivota que voa livremente no ar... Se vejo o Mar da varanda da adega do Arcos (Ilha do Pico, Açores), viajo no tempo e por mil e uma memórias, incluindo as que não vivi e que os meus pais e avós me deixaram... Se vejo o Mar quando mergulho em apneia, esqueço quem sou e pareço entrar numa vida extraterrestre... Se vejo o Mar, do Ribatejo - Salvaterra de Magos (e aqui preciso de estar de olhos fechados), sinto uma saudade imensa!!! Como é que o meu amigo vê o Mar? Como é que ele pensa que eu vejo o Mar? O que interessa isso? Hoje descobri que é fundamental saber isso... e muito mais! 
       Não podia deixar passar mais um fim de semana. Havia coisas a "remoer". Procurei-o hoje! Apercebemo-nos do quanto sofremos ambos com estas tretas. Chegámos à conclusão que ainda não tivemos tempo suficiente para nos conhecermos. Chegámos à conclusão que temos de beber mais umas minis juntos.
      Hoje, descobri que temos diferentes formas de ver o Mar. Descobri que isso influencia quem somos e como agimos. Somos diferentes com sentimentos comuns... O seu coração pode ter uma pulsação por minuto diferente do meu, mas ambos querem a amizade!
       Depois dei por mim a pensar... O nó nunca teve laçante... A volta do nó é que poderia não ser a mais adequada... Em cada relação deve haver um nó adequado. Talvez estivéssemos pendurados por um "lais de guia" (aquele nó que, por mais que se force o cabo, é sempre possível desapertar a qualquer momento), não sei..?!. Hoje ficamos a conhecer melhor a bitola de cada um dos nossos cabos. Após isso, tivemos a coragem de desatar o nó e reatar as cordas com um tipo de nó mais forte e adequado a essas diferentes bitolas (Nó de Escota).
Nó de Escota
      Obrigado amigo, por me quereres ouvir... Obrigado por teres partilhado teus sentimentos... Obrigado por me teres deixado partilhar os meus!
        Realmente, "nós" humanos somos mesmo complicados!

"Nosso verdadeiro amigo é aquele que não nos desculpa nada e nos perdoa tudo." (Condessa Diane)

sábado, 2 de março de 2013

"Never Let Go..."

        Life isn´t easy! There are moments that life looks like a "bitch"! The ability to overcome these moments lays on the strenght that comes from the heart of each individual of a group. The strenght to protect and being protected. The strenght to hug and to "never let go", even if our life is in a great danger. Friendship, loyalty, respect, trust, love...
        Today I woke up thinking about my friend and "brother" Isidro, who died in 1989 in a motorcycle crash ... I remember one day he "didn´t let me go". We were spearfishing in Cabrito (a small locality in Pico Island, Azores) in a winter afternoon. The sea was rough. I made a dive and speared a fish on a small cave. The spear got stuck on the rocks. I went into the cave to release the spear, but it was in vain. The speargun string, somehow, got wrapped around my leg. When I couldn´t sustain anymore my breath, I came out of the cave, but I got tied to the bottom. I remeber taking my hand to the knife, so I could cut the string. Unfortunately it was also wrapped on the string... I remember unbuckling my lead belt... I don´t remeber anything else... I just faded away... When I woke up, Isidro was struggling through the waves pulling me to shore. He didn´t "let me go"! The first time I saw "The Guardian", starring Kevin Costner and Ashton Kutcher, I couldn´t stop crying. Everytime I see it, it reminds me of that day. This film turned to be one of my favourite movies ever.
       Many times I wake up in the night and still hear his voice calling... I still hear his incomparable laughter, after being on shore! The afternoon he left us, I wasn´t there with him... I let he go away!!!
      Life never was the same for me... "never let go" is an expression that follows me in my head. Even as a teacher, I never extrude a student from my classroom... Somehow, looks like Isidro turned to live inside me...
        I remember a rough sea day, in Arcos (Santa Luzia, Pico - Azores), a few years ago. I saw two guys preparing themselves for a spearfishing dive. I knew that the sea wasn´t proper for the activity. When I got there, they were on the water. Big waves started coming in. One of the guys tried to come to shore, but he wasn´t doing good. He was about to drown. His partner managed to come in. Isidro gave me strenght and lucidity enough to get down the cliff, and wait for the right moment to pull him in. After that, big waves came in... One or two more minutes later we´d be crushed against the rocks. I didn´t know who were those guys. They were 2 american guys on their Summer Vacation in Pico. After that, I discovered he was married to Christina, sister of one of my childhood friends, my friend Leo.
       "Never let go" a precious life! "Never let go" someone you love! "Never let go"... a friend!  Thanks Isidro, for never letting me go! Thanks for being my "Guardian"!

http://serounaoserverdade.blogspot.pt/2012/01/o-amigo-que-vive-dentro-de-mim.html