No mês de Julho de 2012, pediram-me para ser orador no encontro "Desenhar o Futuro de uma Forma Participada" (que se realizou na minha escola) e exercer a dificílima tarefa de falar em nome dos professores do agrupamento. Sem dom da palavra e com um enorme stress, sempre que tenho de falar em público, lá tentei dar o meu contributo. Como tudo o que é escrito acaba por se desvanecer, se não for experimentado pelos nossos 5 sentidos e entranhado nos sentimentos, deixo-vos com a reflexão que me pediram que fizesse sobre o encontro... Pode ser que haja alguém por aí que o queira experimentar e contribuir para a sua imortalidade!
""Preciso conselhos,
direcções, preciso «conhecer-me a mim mesmo» - para perseverar e desenvolver o
bom, evitar o mau, ou modificá-lo e disfarçá-lo: Mas há lá coisa mais difícil?
Que se conheça a si mesmo - o homem que não tira os olhos de si mesmo, é quase
impossível: anquilosa-se a gente num certo feitio moral, de que não sai."
(in Correspondência, Eça de Queirós).
Raramente atingimos um verdadeiro
estado de autoreflexão, de autoavaliação e de verdadeira introspeção. Não
existe melhor forma de crescer senão “olhando para dentro”, reconhecendo e
corrigindo o que vai mal e melhorar o que vai bem. O momento/encontro “Desenhar
o Futuro de uma Forma Participada” é dos mais nobres que uma Escola pode fazer,
contudo, não pelo momento per si, mas
pelo que será possível corrigir e melhorar a partir daqui.
Foram três dias riquíssimos, com uma
visão abrangente da Educação, levando os participantes a refletir sobre o seu
contributo para a arte de marear nesta Nossa Querida Barcaça. Pena foi a falha
de dois oradores, defraudando muitas das expectativas dos participantes,
devendo haver, na organização destes eventos mais cuidado na confirmação dos
oradores dos diferentes painéis.
E agora? O que fazer a partir daqui?
Que Escola Queremos? Que rumo queremos? Que rumo o nosso Diretor (Homem do
Leme/Timoneiro) quer? Penso que esta última questão é a primeira que deve ser
esclarecida para todos os mareantes da barcaça, desde o cozinheiro ao operador
de velame. Não será possível cada marinheiro querer o seu rumo… Será muito
importante o Homem do Leme dizer e esclarecer qual o destino e por que mares
pretende e acredita navegar. Ao contrário do que disse o orador José Miguel
Oliveira , por vezes será importante desviarmos de sentido, para desviarmo-nos
de alguns ventos e marés e procurar os favoráveis: “Não
existe vento favorável para o marinheiro que não sabe aonde ir.”(Séneca)
A partir do que o Homem do Leme quer e acredita, é possível negociar
uma gestão participada. Não fará sentido o Homem do Leme seguir um rumo que não
quer ou não acredita. A partir daqui, é possível estabelecer consensos. “O consenso é a negociação
da liderança.” (Margaret Thatcher). Muitas vezes "a liderança é a
capacidade de conseguir que as pessoas façam o que não querem fazer e gostem de
o fazer." (Harry Truman). Depois de estarem
todos os marinheiros em sintonia, há que construir, em conjunto, a carta de
marear (Projeto Educativo) com ações concretas, de forma a que ninguém a perca
de vista. Assim, todos saberão para onde ir. "Se você não sabe para onde vai, todos os
caminhos o levam para lugar nenhum." (Henri Kissinger).
Agora sim… carregada a barcaça com o material indispensável, ela
está dotada de marinheiros convencidos de uma viagem comum. Nestes marinheiros
está o potencial humano, a essência de qualquer viagem. Todos são
imprescindíveis, cada qual com a sua função. Agora sim… podemos falar de colaboração…
Toda e qualquer manobra do Homem do leme, será acompanhada por uma ação
correspondente dos homens do velame. Existirão muito menos marinheiros a fazer
ações contrárias (porque esses sempre existirão) ao estabelecido, em grupo, na
carta de marear, contudo com o tempo, também abraçarão a viagem. Agora sim…
temos uma verdadeira barca colaborativa… Agora sim, navegamos lado a lado,
sabendo que temos um Homem do Leme que nos guia. "Para os homens, ter um guia é tão
fundamental como comer, beber e dormir." (Charles
de Gaulle).
Penso que em Educação, o destino de qualquer barcaça, é sempre o
Sucesso Educativo dos nossos queridos alunos, preparando-os para a vida,
tornando-os cidadãos responsáveis, ativos e interventivos, de forma a que cada
um consiga mudar “os bocados de mundo que
estão à sua guarda” (Idália Sá Chaves). O saber dos compêndios, não é o
único saber a transmitir. É muito importante ensinar a “saber ser” e a “saber
estar”. Temos essa grande missão pela frente, pois é, a meu ver, o ponto fraco da
nossa Escola. Não me conformo com os sinais da falta do “saber ser” e do “saber
estar”. Não me conformo com o barulho infernal nos corredores (se os alunos
soubessem estar, nunca precisariam de uma assistente operacional). Não me
conformo com a lixeira que se torna o chão da nossa Escola em cada dia que
passa. Não me conformo com os inúmeros “Jornalinhos” que encontro no lixo ou
espalhados e rasgados, à saída da nossa Escola, no dia que são distribuídos
gratuitamente. Não me conformo com a falta de respeito pelo trabalho do
próximo, como destruição de canteiros, de plantas, de exposições… Não me
conformo com a destruição constante do mobiliário e dos materiais. Não me
conformo entrar na nossa escola e olhar o abrigo da paragem do autocarro
completamente escrito e danificado, um péssimo cartão de visita. Apenas… não me
conformo… e terei de dar muito mais de mim…
Os caminhos e os mares a navegar poderão ser muitos. Poderão existir
milhentas cartas de marear. Contudo, existem princípios que jamais abdicarei, princípios
que os nossos egrégios avós nos ensinaram, princípios que a nossa história e a
nossa cultura cunhou e que muitas vezes são esquecidos. Meus pais passaram-me
esse testemunho e é meu dever mantê-lo vivo. Independentemente das inúmeras
viagens que faço na vida, cada uma é guiada por esses princípios. Seja na vida
familiar, seja na direção de uma escola, seja na direção de uma turma, seja na
arte de ensinar… são esses os princípios que me têm guiado. É incrível a
simplicidade dos mesmos. É incrível como tudo passa a fazer sentido. É incrível
como que, com estes princípios, conseguimos ver “nossa beleza refletida nos olhos do próximo”(Rubem Alves). Se
estivermos sós nunca a veremos. Esta é uma autoavaliação contínua… quando
conseguimo-nos ver nos olhos do próximo… Tenho tido a sorte de trabalhar com
pessoas fantásticas (alunos, encarregados de educação, auxiliares, colegas
professores…) que me dão essa visão. Acredito, sinto e vivo a reciprocidade da
mesma. Raramente partilho essas visões. Guardo-as para mim, porque são aquelas
que me fazem sentir uma vontade imensa de viver. No último Inverno, durante as
minhas constantes noites de insónias, decidi abrir a minha mente para o mundo
(através da criação de um blog), partilhando fragmentos da minha vida que hoje
considero incríveis, criados pelas pessoas próximas. Deixo aqui apenas um
desses fragmentos, com comentários de uma comunidade educativa com quem tive a
sorte, um dia, de partilhar a mesma carta de marear (http://serounaoserverdade.blogspot.pt/2012/02/projeto-escola-da-faja-da-ovelha-eb-123.html)…
tudo guiado por alguns princípios que passo a citar:
1º - Todos somos
imprescindíveis, individualmente e colaborativamente. Alunos, encarregados
de educação, professores, assistentes operacionais, órgãos de poder local…
ninguém pode ficar de fora na construção da carta de marear e da barcaça. Todos
têm um bocadinho de mundo para transformar. Todos são líderes de um pedacinho
de mundo. Se cada um transformar o seu bocadinho tudo será mais fácil. A
Natureza estabeleceu hierarquias. Numa organização elas sempre existirão. Uma
sequência de líderes que devem agir em equilíbrio entre a razão e o coração.
Assim, "a
execução da autoridade vai-se esbatendo com o tempo e com a empatia que se
cria. Uma pessoa chega e mostra quem é e o que pode fazer, afirma-se e
estabelece regras. A liderança toda a gente deve senti-la e ninguém a ver."
José Mourinho.
2º - Libertarmo-nos da
Burocracia e da Regulamentação, passando-a para 2º plano. Se agíssemos
apenas com o coração em respeito pela condição humana, nunca precisaríamos de
leis nem de papéis. Os papéis servem apenas como meio de prova, como evidência,
para inspetor ver. Se não está no papel, não foi feito… Coloca constantemente
em causa a nossa idoneidade. Na memória humana ficam gravadas as ações,
sobretudo aquelas que ficam gravadas no coração com emoção. Grande parte da
burocracia acaba um dia no arquivo morto e tudo se desvanece.
Não quero dizer, com isto, que deixemos de fazer o que nos é pedido
por lei em termos de burocracia. Apenas digo que não a valorizemos e a façamos
quando tudo o resto já tiver sido feito. Exige muito mais de nós em termos de
tempo, podendo mesmo pôr em risco a nossa carreira (e “idoneidade” como já
referi), pois já o senti muitas vezes na pele, mas tudo se resume ao
deitarmo-nos à noite com a consciência de uma missão cumprida, em prol dos
nossos queridos alunos.
3º - Equilíbrio. A
Natureza dotou-nos de um corpo simétrico, dando-nos um lado esquerdo para
balançar com um lado direito. Nunca deverei esquecer o equilíbrio das duas
partes, das duas mãos… uma para dar amor e carinho aos nossos queridos filhos e
alunos, outra para dizer não, estabelecer regras (negocialmente) e fazê-las
cumprir, mas sempre em
equilíbrio. Se der muito da mão do amor e carinho, a criança
deixa de conhecer as adversidades da vida e torna-se uma pessoa mimada e
desrespeitadora. Se impuser demasiada autoridade, a criança tende a se tornar
uma pessoa rude e a responder (como meio de defesa) com autoridade. Toda a
criança procura um modelo… e o modelo está, sem qualquer dúvida, no equilíbrio.
4º - Levar as nossas crianças
a trilhar caminhos difíceis. A vida é difícil! Baseado em projetos que
invadam o coração de cada criança e jovem, levá-los a saborear a glória e o
prazer do fruto do seu trabalho (trabalho é difícil) e da sua dedicação, em
prol do sucesso. Assim, ganharão “calos” para enfrentar a adversidade da vida e
valorizarão cada gotinha de suor derramada, de cada momento, de cada bem, de
cada pessoa, de tudo o que a Natureza lhes concedeu. A vida passará a ter um
sabor especial!
5º - Presença. Numa
hierarquia, ou numa sequência de líderes como já referi (pois todos somos
líderes de alguma coisa), é muito importante que os que estão a seguir nessa
hierarquia sintam que estamos sempre presentes, ao seu lado. Para mim, numa
hierarquia (sequência de líderes) é uma escadaria que sobe (há quem diga que
desce, mas isso é treta), onde o 1º degrau é sempre ocupado pelo primeiro grau
dessa hierarquia. Este degrau deverá sustentar todos os outros degraus acima.
Deverá se entregar de corpo e alma a toda a escadaria. Não existe o estar à
frente ou estar a trás, na realidade todos os degraus estão encostados lado a
lado. O líder do 1º degrau, perante os outros líderes, deve ser sempre o primeiro
a acordar e o último a adormecer. Assim deverá ser sucessivamente, a postura de
cada líder, relativamente aos degraus que se lhe seguem. Como professor (ou
como pai), só deverei tratar de burocracia (ou fazer outra coisa qualquer),
depois de sentir que os meus queridos alunos (ou queridos filhos) sentem que eu
estou presente.
6º - Coerência. Temos de
ter sempre coerência entre aquilo que dizemos, pedimos e acreditamos e as
nossas ações. Como exemplo, nunca poderei exigir a um aluno que seja assíduo e
pontual se eu falho no cumprimento de horários e serviço. Cada líder tem de ser
o primeiro a dar o exemplo a todos os outros líderes que estão nos degraus
acima.
7º - Incutirmos o Sentimento
de Pertença. A Escola, o Agrupamento, o Mundo é de todos. O que é do Estado
é nosso. O mobiliário da Escola é nosso… Partilhamos e vivemos neste espaço. Se
vivêssemos num verdadeiro mundo de partilha, até o que é construído pelo
próximo seria nosso, pois se alguém expõe ou partilha algo que produziu, dá-nos
esse bocadinho de si. Assim sendo, tudo deverá ser apreciado e respeitado. É
incrível como na nossa Escola não existe o sentimento de pertença. É incrível a
destruição de bens e do trabalho dos outros.
8º - Acreditar. Se não
acreditarmos na mudança, dificilmente lá chegaremos. Mas, não basta dizer que
se acredita. Cada líder (cada um de nós) deverá fazer acreditar, de uma forma
participada por todos, que aquele é o caminho. Para além de fazer acreditar, um
dia deverá viver, em conjunto com o próximo, o sonho em que acreditou. “Acreditarmos em algo e não o vivermos, é
desonesto.” Ganhdi.
Existem muitos mais princípios que me guiam na minha caminhada e que
me foram ensinados pela família e por todas a pessoas por quem tenho a sorte de
me cruzar na minha vida. Escolhi estes oito, pois com eles já é possível ter
uma carta de marear, um projeto com afetos… Tudo passará pelo respeito e amor
ao próximo. Deixemos a politiquice ou a obsessão pelos bens materiais e economicistas.
É verdade que nos facilitam a vida, mas sem dúvida que são mais capas que nos
tapam o coração, a nossa verdadeira essência… SER HUMANO!
Penso que nestes dois últimos anos estivemo-nos a preparar para a
grande viagem. Cuidámos da barcaça em si… Apertámos parafusos, pintámos a
barcaça, equipámo-la melhor em alguns setores. Procurou-se alguns instrumentos
de navegação como a criação do e-mail institucional (poderá faltar o
astrolábio, não sei?). Na verdade, até fizemos algumas incursões pelo mar, nas
águas abrigadas junto à costa. Depois de termos a referida carta de marear, há
que levantar velas e rumar a alto mar, sem medos ou receios, passando pelos
mares que o Homem do Leme quer e acredita, passando pelos mares que todos nós
queremos e acreditamos.
Peço desculpa por esta minha reflexão poder ser um turbilhão de
ideias soltas, esperando que as mesmas possam contribuir para a “carta de
marear” do nosso querido Agrupamento. Como diria Jean Rostand "Reflectir é desarrumar os pensamentos.""
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