"A "perfeição" e o mistério do Universo sempre me fascinaram. De repente, recordo-me da minha infância e adolescência. Recordo-me de estar ao lado do meu pai, durante uma noite de Setembro, à beira mar, na localidade dos Arcos, freguesia de Santa Luzia, Ilha do Pico, Açores. Sobre as escarpas do “lajido” basáltico (rocha nua e escura resultante da solidificação de lava), empunhávamos, cada um, uma cana de bambu com cerca de 6 centímetros de diâmetro e uns 5 metros de comprimento com uma argola de cobre na ponta. Essa argola servia de guia para o arremesso de um fio de nylon 1,20 mm, com um anzol número 8/0, havendo ao lado uma “parada” de cerca de 80 centímetros, com fio 0,50 mm atado a uma pedra. É o “pescar de noite”. É o pescar peixes grandes como o mero, o congro (safio), o tubarão ou a uja. Mas, para além de uma energia que fortalecia a minha relação com o meu pai (de amor), era um dos momentos mais prósperos para viajar pelo Universo. O Silêncio. A brisa que descia da montanha. O som do mar ou de uma cagarra! O céu limpo, sem luzes parasitas! Enquanto empunhávamos a cana, sentados numa “cabeça de pedra”, à espera que o peixe mordesse, comunicávamos pela alma. Tanto eu como meu pai falamos pouco. De vez em quando um de nós dizia “Viste…? Viste aquela estrela cadente?”. Era como que um sinal de esperança, como um rasgo de luz que entrava nas nossas vidas. Na verdade era apenas um fragmento do Universo que se tornou incandescente ao desaparecer com a entrada na atmosfera! Meu pai às vezes dizia… “make a wish” (“pede um desejo”).
Nunca fui muito supersticioso, mas recordo-me de uma noite ver uma “estrela cadente”. Desejei “trancar” (acto de ferrar o peixe no anzol) um grande mero (o peixe que todos procuram ao fazer esta pesca). Enquanto meditava a olhar as estrelas, a cana saltou-se-me das mãos, batendo com toda a força em cima da rocha basáltica. Nunca larguei o fio! Gritei por ajuda ao meu pai: “É um mero!”. Conseguimos puxá-lo até às rochas! Com um “foco”, víamos lá em baixo (escarpa de 12 metros) o mero de boca aberta. No entanto a rebentação das ondas era muito forte. Não dava para descer! O peso do mero (para mais de 20Kg) não dava para puxar, sem descermos. Num ápice, uma onda restitui ao mar aquele lindo peixe. Depois pensei … formulei mal o desejo. Devia ter desejado “apanhar um mero” e não “trancar um mero”.
“Pescar de noite” era um momento de meditação. Ao olhar para o céu, para o Universo, iniciava a viagem para dentro de mim. Aprendi com meu pai a olhar o céu. Aprendi qual era a estrela do Norte. Aprendi onde estavam as ursas Maior e Menor. Aprendi como a lua provocava as marés! Aprendi a olhar para dentro de mim! Obrigado, Pai!"
in "Base 10 - Viagem pela Educação" (Livro nunca publicado) de Rui Rosa
Obrigada Rui , o que transmites é encantador! Foi graças a TI que conheci tamanho PaRaÍso ;D Beijão <B
ResponderExcluirFelicidade Mestre
Nice story,Rui.
ResponderExcluirIlídio Freitas
Olá Rui. Parabéns!!!!! Amei... uns mais cedo, outros mais tarde mas parece que a necessidade de fazer a caminhada até ao nosso interior é sem duvida importante. Tb a tenho feito e na verdade passei a olhar "pras" coisas de uma forma mais bonita. Obrigada pela partilha...simplesmente linda e cheia daquilo q o nosso mundo hoje precisa - amor. Parabéns.
ResponderExcluirElisabete Garcia Ávila
Grande Rui este post está fantástico!!
ResponderExcluirAbraço
Olá Rui,
ResponderExcluirHá quanto tempo... fazes muita falta na nossa Escola. Abraço.
Mesmo lindo Rui! Com os teus textos mostras a todos os valores ensinados pelos teus pais, valores esses que são um verdadeiro tesouro, e tesouro esse, que devia existir em todas as famílias. Muito me orgulho de fazer parte da tua! Beijos
ResponderExcluirObrigado tia... nunca se esqueça que sou eu que nasci depois e vim fazer parte da sua família. Os valores estão na raiz da família. Tenho os melhores Pais do Mundo que souberam e sabem muito bem manter vivos esses valores! Abraço
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