sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Memórias da Minha Primária...

Natal de 1978 - Alunos da Primária de Santa Luzia
Cânticos de Natal no Salão Paroquial das Bandeiras
        Como o tempo passa... Recordo-me do primeiro dia de aulas dos primeiros anos escolares... Um arrepio que entrava na minha barriga e uma vontade enorme de não largar aquele cordão umbilical que me ligava à minha família! Chorava e pedia a minha mãe que me desse mais um dia... aquelas chantagens que qualquer criança de 5 anos sabe muito bem fazer... Tenho a certeza que minha mãe ficava com um enorme aperto no coração (pois já o senti), mas não havia hipótese... estava na hora de me fazer à vida... Depois... Depois, tudo se entranhava... tudo passava a fazer parte...
        Foi assim no Kindergarten da St. Joseph´s School em Yonkers, Nova Iorque, quando tinha os meus 5 anos... Foi assim no 1º Ano na Escola Primária de Santa Luzia (Ilha do Pico, Açores)... foi assim no 4º Ano, novamente na St.Joseph´s School...
        Dois mundos completamente diferentes, com recursos, concepções e formas de encarar o ensino incomparáveis...
        St. Joseph´s School, era uma escola com eletricidade, água na ponta da torneira, salas com um enorme conforto, com aquecimento, com imenso material pedagógico e com janelas que pareciam viradas para os quatro cantos do mundo. 1977, Santa Luzia nem a uma Escolinha do Salazar tinha direito. Como me recordo daquele primeiro dia de aulas do meu 1º Ano! A minha nova Escolinha era de pedra, um edifício de dois pisos, sendo a sala de aula o primeiro, sobre traves de castanho e um soalho que rangia em cada uma das nossas passadas. Era uma sala ampla, escura (sem eletricidade), sem água canalizada, fria e arejada, com mesas de plano inclinado e um quadro de ardósia... O "WC" era mesmo ali ao lado, depois de descer os degraus do balcão de pedra, uma retrete também em pedra, com o característico banco a correr de uma parede a outra e com um buraco circular... Nesta altura, em Santa Luzia, eram dois os edifícios da Primária... A minha Escolinha (Lado da Igreja), onde durante muitos anos foi a "Botequim da Isabel" e a Escola do Lado do Lajido, onde hoje mora a D.Aurora e o Sr.Fraga. Nunca mais me irei esquecer da minha professora do 1º Ano, a D. Helena. Ela conseguia transformar aquele mundo inóspito, num mundo cheio de vida e de cor. Ela conseguia nos incutir o gosto e a vontade de aprender. Aprender a escrever, aprender a "fazer contas", aprender a tabuada... e chegar a casa e ver a alegria de meus pais pelo que tinha aprendido, darem um reforço positivo e a mostrar a importância destas ferramentas para a vida. Eram estas as poucas ferramentas que a Escola nos dava, mas sem dúvida que qualquer um as sabia manusear e para que serviam! Hoje, o Sistema é desonesto, quer ensinar e obrigar as crianças a transportar 1001 ferramentas, quando uma mala de ferramentas de uma criança apenas tem lugar para meia dúzia delas...Guardo os meus primeiros cadernos diários... Uma delícia... Um ato de amor... é a única expressão que me ocorre...
        Durante o meu 2º ou 3º ano (não me recordo bem), um novo edifício escolar foi construído. Foram minhas professoras a D. Luzia e a D. Maria Augusta. A D. Maria Augusta era um mulherão de quem todos tinham muito medo. Acho que foi das professoras mais disciplinadoras que tive até hoje... Talvez pecasse pelo exagero...
        1980... Acabara de transitar para o 4º Ano. Meus pais foram um ano aos Estados Unidos... Foi como começar tudo de novo... Regressava aquele Mundo repleto de condições... Aquele arrepio na barriga... Levava a barreira da Língua, pois em casa sempre falei Português... Voltei a encontrar muitos dos colegas que tinham feito comigo o Kindergaten... Lembro-me do Filipe (Lusodescendente), da Heather, do Sean, do Genaro... A minha professora era a Miss Francis, uma senhora com um sorriso enorme, loira e sempre com os seus óculos "semidescaídos" sobre o nariz... Depressa ela tirou-me aquele arrepio da barriga, e pôs-me à vontade... Para além da aprender a "fazer contas", aprender a tabuada, aprender a ler e a escrever (ferramentas estruturantes, tal como em Portugal)... trabalhava-se muito à base de projeto. Recordo-me de um projeto, onde estávamos a estudar o Deserto do Sahara e um dos seus povos nómadas: os Tuaregues... Lembro-me de fazer uma maquete de um acampamento tuaregue... lembro-me de descobrir porque as suas tendas tinham bases quadradas (pois sendo quadrados, utilizam muito menos pano- perímetro- e conseguem uma área muito maior)... Depois havia dinheiro para materiais... que estavam à nossa disposição e nos davam largas à imaginação... Foi um ano letivo de muito trabalho... 
        Hoje vejo o meu "Boletim de Avaliação" do meu 4º Ano dos Estados Unidos e questiono-me sobre a exigência que o Sistema em Portugal tem para com os seus estudantes... A partir dos 49%, consideramos que o aluno tem desempenho positivo... Aferimos o sucesso a partir dos 49%... Apenas para reflexão, deixo aqui o meu Boletim de Avaliação do 4º Ano dos Estados Unidos... Reparem na Escala de Sucesso... Se fosse aplicada cá, qual a percentagem de Sucesso? Internacionalmente, a nossa imagem seria um desastre (65% a 70% - "Poor"; Abaixo dos 65% - "Failure").



        
        Regressei no ano seguinte a Portugal, depois de um ano de muito trabalho e apesar da barreira da língua, consegui um bom desempenho no 4º Ano, tendo transitado para o 5º Ano. Curioso... Apesar de ter transitado para o 5º Ano, as minhas professoras do 1º Ciclo de cá, aconselharam os meus pais no sentido de eu repetir o 4º Ano cá, pois havia perdido um ano de Português. Meus pais, com um enorme respeito pelas professoras, acabaram por respeitar essa opinião... Por um lado aceitei bem porque, assim, ficaria na minha antiga escola e não teria de sentir novamente aquele arrepio na barriga por ir para uma nova Escola (5º Ano). Por outro, fiquei muito triste e nunca compreendi tal conselho... Nesta repetência injusta, recordo-me de muitas desaprendizagens que fiz... Deixo um exemplo... sabia fazer o algoritmo da divisão (à moda dos Estados Unidos que era muito mais fácil e compreensível), obrigaram-me a reaprender o de cá ... Hoje não tenho qualquer dúvida que foi um ano perdido da minha vida escolar...
        Na minha primária, tive a sorte de experimentar dois sistemas educativos diferentes. De um lado do Atlântico um "Mundo Rico"... do outro um "Mundo Pobre"... Se me perguntassem hoje ou na altura, onde preferia viver? Com toda a certeza que preferiria o "Mundo Pobre", pois na maior parte das vezes a riqueza não está nos bens materiais.... No "Mundo Pobre", eu tinha Liberdade para aprender na Escola da Vida... Brincar livremente no campo... ordenhar as cabras... descer a Ladeira do Cabrito na minha Mota com Rodas de Madeira... subir os pinheiros do quintal e construir um castelo lá no cimo... usar uma cana de bambu para apanhar os meus primeiros peixes... jogar futebol com a bexiga do porco...
        Sem dúvida que esta foi a melhor Escola que tive até hoje! Gostaria tanto que as minhas filhas tivessem a oportunidade de a frequentar!
        

2 comentários:

  1. Paula Marcos08 fevereiro, 2013

    "Uma vez mais a ler as tuas "memórias". Loved it. Tudo de bom para ti e tua família.

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  2. Ana Albergaria08 fevereiro, 2013

    Rui, vou guardar para o meu filho Ruy ler quando for crescido. Agora ele diz que preferia viver nos EUA. Espero ter feito o melhor regressando enquanto tem tempo para brincar e conviver com os avós no país que me viu a mim nascer mas não a ele.

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