Desde criança que vivo intensamente cada pedacinho de tempo passado junto ao Mar, naquela pequena localidade de veraneio, chamada Arcos, freguesia de Santa Luzia, Ilha do Pico, Açores. Uma costa escarpada de basalto negro e de difícil acesso ao Mar, onde está inserida a pequena adega de meus pais. Tratamos esta costa pelo nosso quintal. Cuidamos e respeitamo-lo por tudo o que ele nos dá. Caça submarina, pesca às "vejas", sargos, salemas, polvos, cavacos, santolas... lançamento de rede durante a noite, lançamento de "tarrafa", apanha de lapas e de caranguejos, pesca à moreia de buraco, pesca noturna ao mero e ao "crongo" (congro ou safio)... um enorme rol de atividade, de sustento e de prazer. Lembro-me, com os meus quinze anos, de ter como animal de estimação uma moreia pintada. Todos os dias (quando o mar permitia), lá ia dar um mergulho em apneia, para apanhar uns sargos e umas salemas para a alimentar. Saía do buraco para me cumprimentar. Mostrava os seus dentes afiados, como se estivesse a sorrir. Oferecia-lhe um banquete de que tanto ela gostava. Um dia, depois de eu ter um mau pressentimento, ela não me apareceu... Nunca mais a vi... Alguém a teria pescado?... Com muita tristeza, até hoje, nunca mais houve outra moreia a viver naquele buraco!
Teria mil e uma histórias e memórias para contar do nosso quintal. Hoje não contarei mais histórias. Hoje falarei dos Meus Guardiões. Enquanto brincava ou pescava neste quintal, olhava para as escarpas e via inúmeras saliências nas rocha que se assemelhavam a caras de seres humanos ou outros seres. É como que a alma dos meus antepassados estivesse presente e me observasse constantemente. Sentia-me protegido e muitas histórias teria para contar de como aqueles guardiões nunca me abandonaram e me resguardaram dos maiores perigos. Ano após ano, a erosão provocada pela forte rebentação das ondas de inverno, levava consigo alguns guardiões, mas esculpia outros. Como a roda da vida... uns vão, outros ficam... outros nascem de novo... Mas, lá no fundo... nenhum deixa de existir. Tenho na minha memória muitos guardiões que deixaram de existir fisicamente.
Curioso... quando estou fora do meu quintal... continuo a sentir a proteção de todos estes guardiões... Resta-me agradecer a todos eles... aos que foram, aos que nasceram de novo e aos que perduram no tempo. Fica aqui uma pequena homenagem, com algumas fotos que tirei no nosso quintal, no passado dia 10 de Agosto.