sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

"As Escolas Hoje São Chatas..." (Rubem Alves)

     Tive a sorte de conhecer pessoalmente Rubem Alves. Passei, a partir daí, a "devorar" os seus livros. Rubem Alves deu-me ainda mais sentido a tudo o que os meus avós e pais me transmitiram (herança de valores) para a minha caminhada de vida. Enquanto educador e professor, Rubem passou a ser outro dos meus inspiradores. Passei a não priorizar a burocracia, tal como o Sistema impõe.  Apesar de ter partido há alguns anos, a sua presença e eternidade é inquestionável.             
         "Educação é um ato de Amor" (Paulo Freire)... Quando se ama o que se faz não precisamos de papel para provar ou atestar... Quem já fez planificação escrita para um dia, mês ou ano da vida de um filho? Quem já fez relatório escrito de uma atividade de um filho? Quem já fez ata da reunião familiar onde estiveram a falar da educação dos filhos? 
        Ao longo dos anos criámos um Sistema monstruoso de priorização da burocracia. Passamos a trabalhar para inspetor ver, para exame nacional, para colocar no papel processos mecânicos, como se de máquinas se tratassem os nossos alunos. Fazemos planos e mais planos, onde alunos e encarregados de educação são obrigados a assinar sem qualquer direito de negociação e inscrição. Este Monstro foi nos invadindo e apagando a chama das "candeias" que muitos professores carregam no Coração para iluminar o Coração de cada aluno. Não quero com isto dizer que devemos abolir a burocracia, pois ela tem o seu lugar em Democracia. Não podemos é viver reféns desta e preocupados com cada vírgula, cada ponto, cada palavra... pois, infelizmente, é a estes "pintelhos" que o Sistema dá importância e que nos vai definir como sendo bons ou maus profissionais
        Manter a chama acesa é muito difícil, mas possível. É tudo uma questão de prioridades... Só depois de ver o sorriso de uma criança a Amar as aulas e ter o prazer de colher o fruto do seu trabalho e da árvore que plantou, passamos a completar e a dar a importância devida aos papéis que o Sistema e a Lei obrigam. O Sistema não dá ferramentas nem tempo aos alunos para "aprender a pescar", a cozinhar o seu pescado e a degustá-lo. Em vez disso, dá já o peixe cozinhado, sem direito de escolha dos temperos, obrigando o aluno a engoli-lo e digeri-lo. Muito do que ainda é deglutido, não segue o processo de digestão normal, pois é vomitado à saída de cada dia de Escola, não alimentando suas células com nutrientes. Por incrível que pareça, o Sistema consegue avaliar apenas o que é defecado (quanto mais melhor) e esquece os nutrientes que realmente chegam através da corrente sanguínea a cada célula do aluno, que lhe dá energia para a vida e que lhe alimenta a alma e o coração (o que realmente fica). Se houve defecação houve sucesso, pois houve processo mecânico digestivo. Na Natureza, segundo Lavoisier, "nada se cria, nada se perde... tudo se transforma"... Para o aluno muito do que aprendeu ou defecou também se transformará em estrume útil para a Terra, mas será apagado da sua memória. Se o aluno vomitou, o professor é obrigado a aproveitar esse vómito, colocar-lhe um corante, um aromatizante e mais um E-330, para convencer o aluno a voltar a ingeri-lo!
        Não dar prioridade à burocracia  que o Sistema impõe (não esquecer - todos nós somos o Sistema) é quase desumano, mas possível, e muitos educadores ainda o fazem... A esses o Sistema raramente os avalia como excelentes...Também não é para isso que vivem, para serem avaliados numa ou duas aulas assistidas, combinadas com o avaliador, onde têm a oportunidade de fazer um brilharete com uma encenação que nada tem a ver com as suas aulas do dia-a-dia (aula assistida nunca deve ser combinada com avaliador, deve ser algo espontâneo e natural, sem aviso prévio ou encenação). Vivem no anonimato. Não são Estrela pois Estrelas são os alunos. Não aparecem na fotografia. Não vivem da sua Imagem, nem do que está escrito numa folha de papel ou de algo que poderá nunca ter acontecido ou sentido (ou que aconteceu esporadicamente e que não é prática corrente). Depois do Amor, da Emoção (aprendizagem e memória só perduram quando conseguimos associar uma Emoção a um Momento), da colheita do fruto pelo aluno da própria árvore que plantou, esses educadores e professores ainda têm tempo (o bem mais precioso da partilha humana, pois é o único que não conseguimos encontrar novamente) para a burocracia.
         Deixo-vos aqui algumas reflexões do Mestre Rubem Alves sobre Educação e sobre a Vida:

"ESCOLAS – A escola é chata porque está nas mãos dos burocratas. Não está relacionada com a vida, não leva em consideração as crianças. Elas têm curiosidade, querem saber de todas as coisas. Há muito tempo, minha neta Mariana, no seu primeiro aniversário, estava sentada na grama. Eu fui ver o que estava acontecendo, e ela perplexa olhando a minhoca. O mundo é cheio de espanto, e as crianças querem aprender o espanto, mas, chegam à escola e têm que aprender sobre mitocôndrias."

"INTELIGÊNCIA – Acho que a inteligência surgiu porque o nosso corpo é incompetente para resolver os problemas da vida. As aranhas fazem teias, os tatus, buracos; o corpo dos animais são ferramentas, eles não precisam pensar porque já nascem com as ferramentas. Somos tão incompetentes que temos que pensar. Comparo a inteligência ao pênis. Ela é flácida, mas, se provocada, começa a sofrer transformações hidráulicas incríveis."

"VESTIBULAR – É preciso primeiro acabar com o vestibular. O terrível do vestibular é que as pessoas têm que saber tudo. E ninguém precisa disso. A competência só não chega. Para que serve uma canção? Para nada. Mas é tão maravilhoso, tem a ver com a convivência das pessoas. Entre os alunos, tem que se aprender como conviver, a gostar da vida, não só aprender a passar no vestibular."

"CRIANÇAS – Ter respeito pela criança é fundamental. Fico irritado quando vejo as pessoas tratando as crianças como débeis mentais. Acho que as crianças, quando ouvem a mãe dizendo "comidinha" e tudo no diminutivo, deve ficar pensando "acho que minha mãe é pinel". Tratá-las normalmente é torná-las iguais."

"PROFESSORES – O que faz um educador é a relação que tem com o aluno, e isso não ocorre com nenhuma nova lei. É preciso mudar a cabeça e o coração dos professores. A missão não é dar um programa, é cuidar dos alunos. Acho que muito da desgraça dos professores tem a ver com o fato de eles acharem seu trabalho tedioso. E passam isso aos alunos."

"REELEIÇÃO – Sou contra [a reeleição de Lula]. Eu não quero que isso tudo continue. Fico triste com a corrupção, a bagunça, pelo povo brasileiro, a poluição, a sujeira nas ruas. É tudo junto."

"PAIS – Em muitos casos, os pais são os piores inimigos da educação, pois não estão interessados na educação dos filhos. Querem que os filhos passem no vestibular. Agora, o que ele faz com aquele diploma? Nada."

"COTAS – Eu sou completamente contrário. Vai criar raiva. Daqui a pouco vamos ter cota para gay, para japonês, eu não gosto da idéia."

"DEUS – O Deus que fez o inferno, não acredito. O Deus que sacrificou o filho, o Deus que cobra as contas porque nós somos devedores… Deus que só perdoa com derramamento de sangue? Eu não acredito nesse Deus. E eu sou possuído pela beleza. Quando eu estou suspirando, eu estou rezando. Fico horrorizado porque acham que Deus é sádico, fazem promessa de subir 400 degraus de joelhos. Mas, se você pegar o Velho Testamento, está ali que Deus criou a gente para o gozo, para a felicidade, todo mundo peladão, um jardim das delícias. Essa idéia de sofrimento, não sei como entrou."

"MORTE – Ainda não me decidi se morreu, acabou. Estou mais para [o poeta Mario] Quintana: "morrer que me importa, o importante é viver". O universo é um grande computador. Talvez Deus seja o disco rígido do universo e nós somos os documentos salvos. A razão de viver é amar e ser amado."

                                                                                                                           (Folha de S. Paulo)


             in https://portal.aprendiz.uol.com.br/content/escolas-hoje-sao-chatas-diz-rubem-alves



sábado, 18 de maio de 2019

Relações Humanas


         O Consumismo, a Tecnologia, a Ganância, a Inveja, a Arte do Disfarce, a Culto pela Imagem (quando o conteúdo - Coração - sucumbe diariamente)... o nosso Mundo/Humanidade tem evoluído num sentido que em muito mina e afeta as Relações Humanas... A própria espécie humana está em risco de extinção ("auto-extinção"), pela destruição de todos os recursos que o Paraíso Terra nos dá e por explorá-lo sem escrúpulos e de uma forma insustentável... Tanta campanha! Tanta sensibilização! A política dos "3 Rs" passou para "7 Rs"... Por mais "Rs" que se inventem, enquanto o Coração estiver encarcerado... enquanto não amarmos tudo aquilo que a Vida e a Mãe Natureza nos dá... enquanto não respeitarmos as nossas raízes e criarmos condições para a nossa Família florescer... enquanto não respeitarmos o próximo na verdadeira essência Humana... enquanto não construirmos (de raiz) relações duradouras... não viveremos FELIZES connosco e com o próximo.
        Como exemplo e segundo a Pordata, a percentagem de divórcios (por cada 100 casamentos) passou, em Portugal de 0,6% em 1970 para cerca de 70% atualmente. Todos sabemos que o contexto político e social alterou-se radicalmente... Todos sabemos do efeito do silêncio de que hoje é menor... Todos nós sabemos das mortes, vítimas de violência doméstica de hoje... Todos sabemos que somos o parente pobre da Europa, com uma dívida 130% do PIB ("Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão!"). Também todos sabemos que estamos (Portugal) na cauda da Europa nesta estatística da Pordata (cerca de 70 divórcios por cada 100 casamentos)... Contudo, eu apenas posso falar do que conheço e do exemplo da minha Família geração após geração. Meus bisavós morreram felizes juntos... Meus avós partiram felizes juntos (a minha avó materna viu meu avô partir quase 60 anos antes da sua partida e manteve-se casada com Ele)... Meus queridos Pais vivem Felizes juntos, bem como todos os meus tios que mantêm-se felizes com quem casaram pela primeira vez (mesmo quando um deles já partiu)... Todos os meus primos (desde os Estados Unidos, passando pelos Açores e até este lado do Atlântico) vivem os seus projetos de vida com quem casaram pela 1ª e última vez... Eu vivo Feliz com a mulher da minha vida e com as nossas filhas... Essa Felicidade é construída dia após dia, geração após geração... 
         Tal como a problemática ambiental dos plásticos e dos resíduos sólidos que invadem o Planeta... nas relações humanas também se usa e se "deita" fora quando não interessa... 
        É urgente voltar à "política dos 7 R" dos nossos Avós (pelo menos dos meus bisavós, avós e pais), para uma Sociedade Humana Sustentável: 
        - 1. REPENSAR antes de agir ou ferir o próximo; 
        - 2. RECUSAR qualquer coisa que nos possa dar prazer ou nos beneficiar, mas que poderá ferir o próximo e uma relação, sendo racional e não se guiando pelo instinto animal, mas pelo AMOR/ RESPEITO ao próximo;
        - 3. REDUZIR a ausência enquanto estivermos vivos... pois a morte encarregar-se-á de nos levar para sempre;
       - 4. REPARAR uma relação, olhando "para dentro", tomando consciência do erro, corrigindo-o e não o voltando a repetir (errar é humano), sabendo também perdoar;
       - 5. REUTILIZAR todos os bons momentos e boas recordações quando somos invadidos pelo pior do ser humano; Se não deu para Reutilizar esses bons momentos... é melhor... 
      - 6. RECICLAR os maus momentos e transformá-los em bons;
      - 7. REINTEGRAR... - o que não pode ser Reciclado pode ser sempre "deitado" (reintegrado) à terra como estrume "merdas da nossa vida" e isso originará coisas belas na Natureza... 

        Sejamos Felizes! Façamos os outros felizes! Sejamos Felizes juntos

domingo, 20 de janeiro de 2019

Uma das Alas do Serviço Nacional de Saúde

Uma da Inscrições na parede no Convento das Maltesas em Estremoz, atual Centro de Ciência Viva e antigo Hospital

Não haverá esta "ala" no Serviço Nacional de Saúde?
Silenciosamente... o Privado prolifera e o Público sucumbe...

sábado, 12 de janeiro de 2019

A Herança do Amor

"Dê sempre um beijo de boa noite aos seus filhos, 
mesmo que eles já estejam a dormir." (H. Jackson Brown, Jr.)


        "Quando era jovem, o Al era um artista talentoso, um oleiro. Era casado e tinha dois belos filhos. Certa noite, o filho mais velho teve uma violenta dor de barriga. Acreditando que se tratava de um distúrbio intestinal vulgar, nem o Al nem a mulher se preocuparam muito com o problema.. Mas, infelizmente, tratava-se de uma apendicite aguda e o rapaz morreu durante a noite.
        Consciente de que poderia ter evitado o trágico resultado se se tivesse apercebido da gravidade do caso, a saúde emocional do Al começou a deteriorar-se sob o pesado fardo da culpa. Para piorar a situação, a mulher deixou-o pouco tempo depois, deixando o filho mais novo, de 6 anos, ao cuidado dele. A mágoa e o sofrimento resultantes de ambas as situações foram de mais para Al, que acabou por recorrer ao álcool para arranjar forças. Com o passar do tempo, transformou-se num alcoólico.
        À medida que o alcoolismo progredia, o Al começou a perder tudo o que tinha - a casa, a terra, os objetos de arte, tudo. Acabou por morrer sozinho em São Francisco, no quarto de um motel. 
        Quando soube da morte de Al, reagi com o mesmo desdém que o mundo demonstra por aqueles que põem fim à vida sem deixarem qualquer legado.
        "Um perfeito fracasso!", pensei. "Uma vida totalmente desperdiçada!" À medida que o tempo foi passando, comecei a reavaliar o severo juízo de valor que fizera. Eu conhecia o filho já adulto de Al, o Ernie. É uma das pessoas mais generosas, carinhosas e amáveis que conheço. Já estive com o Ernie e os seus dois filhos e testemunhei o amor que flui livremente entre eles. Sabia que essa bondade e esse carinho tinham de vir de algum lado.
        Nunca ouvira o Ernie falar muito sobre o pai. É tão difícil defender um alcoólico. Certo dia, ganhei coragem para lhe perguntar.
        "- Estou intrigado com uma coisa" - disse. "- Sei que foi o teu pai que te criou. O que é que ele fez para que te tornasses uma pessoa tão especial?"
        O Ernie permaneceu em silêncio e refletiu por uns momentos. De seguida, disse:
        "-Desde as primeiras recordações que tenho da minha infância até aos 18 anos, quando saí de casa, o Al vinha ao meu quarto todas as noites, dava-me um beijo e dizia: "Amo-te, filho".
        Os meus olhos encheram-se de lágrimas quando percebi como tinha sido injusto ao julgar precipitadamente o Al como um falhado. Não tinha deixado para trás qualquer legado material, mas tinha sido um pai carinhoso e dedicado, e tinha deixado neste mundo um dos homens mais generosos que alguma vez conheci."                 
                                                                                                          Robbie Gee
                                                                                                  (Winning the Image Game)


                                                             in: Canja de Galinha para a Alma (Edição 20º Aniversário)    
                                                                    (Jack Canfield, Mark Victor Hansen, Amy Newmark)